23/03/2021

OUTROS CAMINHOS PARA OS OMBROS

Eis que aqui vos apresento meu primeiro artigo científico OUTROS CAMINHOS PARA OS OMBROS, publicado originalmente nos Anais da II Conferência do Encontro de Cordas Flausino Valle.
Além de apresentar este trabalho na Conferência, tive o prazer de participar do IV Encontro de Cordas Flausino Valle (ECFV) - que foi online, obviamente - como professora de violino, em mesa redonda e apresentando recital.

O Encontro de Cordas Flausino Valle (ECFV) é uma iniciativa de Dra. Liu Man Ying (UFC), Ma. Dora Utermohl de Queiroz (UFC) e Me. Leonardo Feichas (UFAC) e está voltado ao ensino coletivo, pedagogia e performance. Em 2020 foi a quarta edição do Encontro, abrigando a segunda edição da Conferência, que é quando pessoas apresentam seus trabalhos de pesquisa e/ou de campo para colegas. É assim que ficamos sabendo de muitas das coisas que estão sendo feitas em muitas áreas da música, desde experimentações com um grupo de cellos até como resolver questões de afinação em uma peça para contrabaixo e violino, passando por definições de série de concertos e como dar aula de ensino coletivo online na pandemia. Os assuntos são variados, interessantes e as localidades onde isso tudo acontece estão espalhadas pelo Brasil. Todos esses trabalhos estão publicados nos Anais da II Conferência Nacional do Encontro de Cordas Flausino Valle

Agradeço imensamente à Liu Man Ying pela motivação à escrever este artigo, Leonardo Feichas pelo apoio e à Comissão Científica da Conferência pela oportunidade.
Agradeço à Amilcar Zani, meu orientador de mestrado, pelo apoio.
À Robert Suetholz agradeço a revisão de texto e os comentários.
Meryelle Maciente foi fundamental com sua revisão, ensinamentos, observações e perguntas, muito obrigada.
À Eleni Vosniadou eu agradeço o acesso à algumas das informações fundamentais deste artigo.

* Pequenas mudanças de diagramação foram feitas para a adequação do artigo ao formato deste blog. O texto permanece inalterado.



OUTROS CAMINHOS PARA OS OMBROS

Helena Piccazio Ornelas

Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ECA-USP helenapiccazio@usp.br


Resumo: O presente artigo trata da situação em que as instruções “Relaxe os ombros”, “Abaixe os ombros” e “Não mexa os ombros” não ocasionam o efeito desejado de eliminar do excesso de esforço nos ombros dos violinistas e estudantes de violino. Através do questionamento dessas três instruções, a investigação busca alternativas de abordagem para lidar com esse excesso de tensão. Tais alternativas são provenientes da Técnica de Alexander, Mapeamento Corporal e Anatomia Humana, chegando à conclusão de que é necessário trilhar um caminho de autoconhecimento físico, tanto no que diz respeito à estrutura e funcionamento do corpo humano, quanto no que diz respeito às sensações físicas ao tocar.


Palavras-chave: Ombros; Saúde do músico; Relaxamento; Violinistas; Tensão 



Introdução


“Relaxe os ombros.” - “Abaixe os ombros.” - “Não mexa os ombros.”


Essas três frases são instruções comuns em aulas de violino. Ouvimos essas frases durante toda a nossa vida. Essas instruções visam amenizar ou eliminar o esforço excessivo que comumente se faz na região dos ombros ao tocar violino.


Para muitos violinistas essas instruções funcionam, pois ajudam a sentirem o esforço a mais e calibrá-lo. Porém, para outros violinistas, essas instruções não funcionam, podendo até causar o efeito contrário: mais tensão.


É para esse segundo grupo de pessoas que esta investigação é direcionada. Visa encontrar outras formas de abordar essa problemática do uso dos ombros ao tocar violino por meio da observação e questionamento dessas três instruções mais comuns. Parte de uma perspectiva que combina conhecimentos de Anatomia, Técnica de Alexander e Mapeamento Corporal.


A Anatomia Humana é a área da ciência que estuda a estrutura do corpo humano, suas partes e subpartes, funções e mecanismos. Esse estudo abrange desde macro estruturas como o sistema ósseo ou respiratório, até micro estruturas como organelas celulares ou macromoléculas. A palavra Anatomia deriva do grego anatome, sendo ana = ‘através de’ e tome = ‘corte’, denotando o método e a visão de separar as partes para entender o todo.


A Técnica de Alexander é uma técnica de reeducação somática (1) idealizada e desenvolvida pelo ator australiano Frederick Matthias Alexander no início do século XX. Essa técnica entende que a mente e o corpo formam uma unidade integrada e indissolúvel. Os pontos chave são: as atitudes e reações que temos em relação à maioria das atividades são inconscientes e habituais; nossos pensamentos, emoções e sensações afetam nossos movimentos e nosso nível de tensão; a maneira como a cabeça está no topo da espinha afeta o corpo todo, sendo essa a principal relação física a se perceber; podemos mudar conscientemente nossos hábitos inconscientes, como usamos nosso corpo; no átimo entre estímulo e ação está o momento onde podemos fazer uma escolha mais saudável e consciente de movimento.


O Mapeamento Corporal é uma técnica de reeducação somática desenvolvida na década de 1970 pelos professores de Técnica de Alexander William e Barbara Conable, especificamente enquanto lidavam com músicos instrumentistas. Assim como na Técnica de Alexander, o Mapeamento Corporal diz que nós nos movimentamos de acordo com o que pensamos de nosso movimento - consciente ou inconscientemente. Aqui esse “o que pensamos” é um mapa localizado no nosso cérebro, que contém todas as informações e diretrizes que governam os movimentos. Nós temos muitos mapas que nos representam em todas as nossas variadas funções e comportamentos, eles interagem e se comunicam de maneiras complexas e são desenhados ao longo da vida por meio do que experimentamos e aprendemos de todas as formas. O mapa de movimento pode conter informações errôneas (2) e, como resultado, nos movimentamos contra nossa natureza, contra nosso desenho natural, causando desconforto e dor, além de possíveis lesões. O Mapeamento Corporal visa alterar esse mapa conscientemente aprendendo sobre a estrutura, tamanhos e funções do nosso corpo, usando conhecimentos de anatomia e neurociência, redesenhando-o para ficar de acordo com o projeto natural do corpo e para fazer o melhor uso possível dele.


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1 “A Educação Somática é um campo teórico-prático composto de diferentes métodos cujo eixo de atuação é o movimento do corpo como via de transformação de desequilíbrios mecânico, fisiológico, neurológico, cognitivo e/ou afetivo de uma pessoa.” (BOLSANELLO, D. P., 2011, p. 306)

2 “Ficar reto” é um exemplo de concepção errônea, pois a coluna vertebral humana é curva mesmo quando sustenta o corpo em pé de forma equilibrada.



1. O que é ombro?


No estudo da Anatomia Humana, geralmente se começa pelo sistema esquelético. Segundo o Mapeamento Corporal, a porta de entrada para uma melhora na qualidade dos movimentos é aprender sobre os ossos, nosso esqueleto. 


A Anatomia considera duas divisões no esqueleto humano. Há o esqueleto axial, o eixo central que é formado pela espinha ou coluna vertebral, caixa torácica e crânio. A outra parte é o esqueleto apendicular, as partes do esqueleto que, como o nome indica, ficam “penduradas” no eixo central, ou seja, os membros superiores (braços) e membros inferiores (pernas).


Agora um pequeno exercício: por favor aponte onde está a única articulação que conecta seu membro superior ao esqueleto axial. Siga a leitura somente após ter escolhido o ponto.


A única articulação onde nosso membro superior, nosso braço, se conecta ao esqueleto axial é na articulação esternoclavicular, próximo à base do pescoço. A única.

Figuras 1 (em cima) e 2 (embaixo): ossos e articulações na região dos ombros.


O caminho ósseo a partir desse ponto é interessante, sugiro acompanhar não apenas lendo o que segue, mas também apalpando-se e/ou observando-se em um espelho. Começando na articulação esternoclavicular (1ª articulação), que conecta o osso esterno à clavícula, seguimos pela clavícula até o “alto do ombro”, onde está a articulação acromioclavicular (2ª articulação), que conecta a clavícula ao acrômio, uma protuberância no alto da escápula. Logo abaixo do acrômio, ainda na escápula, existe uma pequena cavidade chamada cavidade glenoide, onde se conecta o osso úmero, o osso do braço. Essa conexão é a articulação glenoumeral (3ª articulação).


Com base nesta descrição podemos constatar que:

  • O membro superior não se conecta ao esqueleto axial, ou seja, não começa na região da articulação glenoumeral, mas sim na articulação esternoclavicular.
  • Na região da articulação glenoumeral não existe apenas uma articulação, mas duas: a glenoumeral e a acromioclavicular.
  • O ombro não é uma articulação, como muitas vezes é descrito, mas sim um complexo articular formado pelas articulações esternoclavicular, acromioclavicular e glenoumeral.

Notem que o úmero não se conecta à cavidade glenoide de baixo para cima, mas sim de fora para dentro, em direção lateral (figura 2). Além disso, sua cabeça é bem maior do que o tamanho da cavidade, o que lhe confere grande amplitude de movimento e, por isso mesmo, grande instabilidade, sendo uma articulação que se desloca com facilidade.


É importante observar que não existe movimento da escápula sem movimento da clavícula e vice-versa. São os movimentos da clavícula e escápula que permitem quase todos os movimentos do úmero, do braço.


Agora voltemos ao princípio fundamental tanto da Técnica de Alexander quanto do Mapeamento Corporal: nos movimentamos conforme o que pensamos de nosso movimento. Vamos fazer um experimento sugerido por Jeremy Chance (3) no curso BodyThinking Online, um curso online de Mapeamento Corporal para professores de Técnica de Alexander, para perceber a atuação do pensamento no movimento:

  1. Tendo em mente que ombro e braço são entidades separadas, e que o braço começa na articulação glenoumeral, levante APENAS o braço, sem levantar o ombro (levantar braço a partir da articulação glenoumeral).
  2. Agora, tendo em mente que o braço é uma estrutura inteira e integrada que começa na articulação esternoclavicular, levante o braço inteiro (levantar braço a partir da articulação esternoclavicular).

Foi sentida alguma diferença? Diferenças de sensação? Diferenças de amplitude de movimento?


Outra coisa interessante que pode ser feita é colocar a mão esquerda sobre a clavícula direita e levar a mão direita para passear, movendo-a pelo ar (deixando o braço livre para ser movimentado durante esse passeio). O que vocês sentem na clavícula? Há movimento? De que tipo?


Um terceiro experimento seria, com a permissão de um colega ou pessoa próxima, colocar as mãos sobre as escápulas dessa pessoa e pedir que ela movimente os braços livremente, para que você possa sentir os movimentos que acontecem na escápula quando os braços estão em movimento.


Com base nas explicações anatômicas e nos pequenos experimentos sensoriais que acabamos de fazer, o que é mais fácil pensar, ou o que é mais gostoso sentir? Que o ombro faz parte do braço ou que são partes separadas do corpo? Que o ombro faz parte do movimento ou que não faz?


Neste ponto eu gostaria de falar sobre os olhos, pois talvez eles nos tenham levado a esse desvio de mapa dos nossos braços. Nós vemos o movimento acontecendo apenas a partir da articulação glenoumeral, e com o violino em cima do ombro não vemos esses micro movimentos da clavícula, somente quando ocorre uma elevação excessiva. Outro erro de mapeamento ocorre quando se pensa nas escápulas como sendo parte das costas, porque é naquela região que as vemos, mas, como observamos, as escápulas são parte integrante do membro superior. Resumindo: escápula não é costas, escápula é ombro.


Mesmo assim, a visão é um sentido extremamente importante na percepção de nós mesmos. F. M. Alexander utilizou espelhos para entender o problema que o acometia quando desenvolveu a sua famosa técnica. Além da visão, empregamos outros sentidos para nos compreendermos e fazermos melhor uso de nosso corpo. Utilizamos o tato nos experimentos anteriores e, como músicos, estamos sempre com os ouvidos atentos.


No livro “What Every Violinist Needs to Know about the Body” (4), a violinista e professora de Mapeamento Corporal Jennifer Johnson diz que temos apenas 5 sentidos nomeados no mundo ocidental e, por isso, são apenas esses que desenvolvemos. Mas também diz existir um sexto sentido que, por não ser nomeado, é muito pouco desenvolvido: o sentido movimento, ou, em linguagem mais sofisticada, a cinestesia ou propriocepção. Querem experimentá-lo? Jennifer Johnson propõe um pequeno exercício para experimentarmos como a cinestesia nos informa sobre nosso movimento:


1. Coloque sua mão no ar onde você não possa vê-la e mova sua mão e seus dedos de forma que eles não se encostem.

2. Note que você não está usando nenhum dos outros cinco sentidos, mas ainda sim está recebendo informação do seu movimento:

a. você consegue identificar quão rápido seus dedos se movem

b. você consegue dizer se estão se movendo de um lado para o outro ou de frente pra trás

c. você consegue dizer se o movimento é fácil e fluido ou duro e desnecessariamente tenso

d. você consegue dizer se está usando o punho ou só os dedos

e. você consegue dizer onde está cada osso dos dedos um em relação ao outro mesmo sem que eles se encostem.

3. Agora, imagine que seu dedo mínimo ficou 12 centímetros mais comprido. Você consegue sentir como seria - qual a sensação do peso adicional nesse lado da sua mão. Isso é sua imaginação cinestésica trabalhando (JOHNSON. J., 2009, pp. 23-24, tradução nossa). (5)


Até aqui, o que usamos para entender um pouco mais sobre os ombros foi o saber e o sentir, e isso é essencial para redesenharmos os mapas que guiam nossos movimentos para que fiquem de acordo com a estrutura que o corpo de fato tem.


De acordo com as informações anteriores, a sugestão de redefinição do termo “ombro” proposta aos violinistas por esta investigação é a seguinte: o membro superior, ou braço, é uma estrutura inteira que vai desde a articulação esternoclavicular até a ponta dos dedos. Nesta estrutura integrada, podemos localizar as seguintes regiões: OMBRO (ossos clavícula e escápula), BRAÇO (6) (osso úmero), ANTEBRAÇO (ossos rádio e ulna) e MÃO (ossos do carpo, do metacarpo e falanges). Resumindo: ombro não é uma parte do corpo separada do braço, é apenas uma região do braço.


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3 Criador e professor do curso online BodyThinking de Mapeamento Corporal para Professores de Técnica de Alexander, disponível para aquisição em <https://bodychance.mykajabi.com/bodythinking-online-en>. Acesso em 04/11/2018.

4 “O que todo violinista precisa saber sobre o corpo.” (tradução nossa)

5 1. Hold your hand in the air so that you cannot see it and wiggle and wave your hand and fingers without any of them touching one another. 

2. Noticed that you were not using any of the other five senses and yet are still receiving information about your movement. 

a. You can identify how fast your fingers are moving. 

b. You can tell whether they are moving side to side or forward and backward. 

c. You can sense if the movement is easy and fluid or stiff and unnecessarily tense. 

d. You can tell if you're using the wrist or just the fingers.

e. You can feel where the finger bones are in relation to one another, even though they are not touching each other.

3.  Now, imagine that your pinky grew five inches in length. You can actually feel what that will be like - what the added weight would feel like on that side of your hand. This is your kinesthetic imagination at work.

6 Que costumo chamar de “muque” durante as aulas de violino para que haja diferenciação entre braço inteiro e braço pedaço.



2. O que seria relaxar um músculo?


Logo depois da explicação sobre os ossos e articulações da região dos ombros, é provável e pertinente que se siga a seguinte pergunta: por que falar sobre ossos se o relaxamento se refere aos músculos?


Neste ponto temos duas questões a considerar, sendo a primeira delas o funcionamento dos músculos e a segunda, as funções básicas dos músculos e sua relação com os ossos.

Funcionamento dos músculos


No corpo humano são encontrados três tipos diferentes de músculos. A Musculatura Lisa e a Musculatura Estriada Cardíaca funcionam de forma involuntária. Os músculos do terceiro tipo, a Musculatura Estriada Esquelética, são os únicos que controlamos de forma voluntária. Estes músculos são assim denominados por estarem conectados ao esqueleto. Cada músculo está sempre conectado a dois ossos e atravessa pelo menos uma articulação. 



Figura 3: as proteínas Miosina e Actina se unem formando o Sarcômero. Para a contração do músculo, essas proteínas se aproximam mais, encurtando o tamanho do Sarcômero.


Para entender o funcionamento dos músculos estriados esqueléticos, comecemos da menor estrutura que os forma. O início é a união entre as proteínas Miosina e Actina (7), que constitui uma microestrutura chamada Sarcômero. A forma do Sarcômero é fundamental para causar o movimento muscular, pois nele existe um pequeno espaço entre as duas proteínas deixado “vago” propositalmente. Quando o músculo é chamado à ação, essas duas proteínas se aproximam mais, ocupando esse espaço e diminuindo o tamanho do Sarcômero. Os Sarcômeros são enfileirados e conectados, como um trem, formando um filamento comprido chamado Miofibrila, a célula muscular. Durante a ação muscular, quando os Sarcômeros encurtam, a Miofibrila encurta em decorrência (figura 3). 


Os filamentos de Miofibrilas estão agrupados em feixes, formando as Fibras Musculares, e são envolvidas por uma membrana de tecido conjuntivo (8) chamada Endomísio. 


As Fibras Musculares estão agrupadas em feixes, formando os Fascículos, e são envolvidas por uma membrana de tecido conjuntivo chamada Perimísio.


Os Fascículos estão agrupados em feixes, formando o Ventre Muscular. Isto é a parte vermelha do músculo, o que conhecemos como músculo. O Ventre Muscular é envolvido por uma membrana de tecido conjuntivo chamada Fáscia.


Todas essas membranas de tecido conjuntivo que envolvem os diversos feixes de estruturas musculares, protegendo-os de atritos, inflamações e rupturas, se estendem para além da parte vermelha do músculo, formando em suas extremidades o que é chamado de parte branca do músculo ou Tendão. O Tendão - denso, resistente e rico em colágeno - tem a função de conectar o Ventre Muscular aos ossos e o faz por meio da continuidade do tecido conjuntivo, que se estende de forma a cobrir todo o osso com uma membrana chamada Periósteo, criando assim uma conexão segura entre o sistema esquelético e o sistema muscular. O Ventre Muscular é contrátil, mas o Tendão, não.


Então, quando um músculo é convocado por nossa vontade a fazer um movimento, o que ocorre é a contração dos Sarcômeros, o que diminui o comprimento da Miofibrila, consequentemente encurtando as Fibras, Fascículos e o Ventre Muscular como um todo. Ou seja: a única ação do músculo é contrair e, por conseguinte, descontrair. Não existe um estado de “super-relaxamento” ou “afrouxamento” para além do estado neutro de repouso.


Para tocar violino é preciso usar os músculos que movem e sustentam ao menos toda a parte superior do corpo e, sendo assim, eles inevitavelmente estão em contração, não em repouso. Mas existem sim gradações entre o ponto neutro e o máximo da contração muscular. Pode-se verificar o quanto de contração, o quanto de uso muscular é necessário. E pode ser pouco.


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7 Essas não são as únicas proteínas, mas as principais.

8 O tecido conjuntivo também pode ser chamado de tecido conectivo.


Funções básicas dos músculos esqueléticos e sua relação com os ossos


Os músculos esqueléticos se dividem em duas funções: músculos de sustentação (exemplo: camadas profundas de músculos ao redor das vértebras) e músculos de movimento (exemplo: músculos do braço ou a camada superficial de músculos nas costas).


Segundo o Mapeamento Corporal, quando o sistema esquelético está mapeado em nosso cérebro de forma errônea, ou seja, quando o que acreditamos sobre a forma, estrutura, localizações e funções de nossos ossos não está de acordo com a realidade, acabamos insistindo em posturas e movimentos que não condizem com o desenho original de nosso corpo. Isso causa um desequilíbrio no uso dos músculos que movem e sustentam os ossos, justamente porque o fazem nos lugares (errados) onde nossos mapas cerebrais indicam.


Nossos ossos são projetados para se encontrarem em relações muito específicas. Quando o fazem, empoleiram-se sem esforço, um sobre o outro. Descobrir essa relação correta entre os ossos aciona o que os neurofisiologistas agora chamam de padrões posturais automáticos […]. Esses padrões posturais automaticamente ajudam a reorganizar os tecidos moles ao redor dos ossos (ligamentos, tendões, fáscia e músculos), de modo que os trabalhos musculares de nos sustentar e nos mover sejam redistribuídos de maneira uniforme e adequada por todo o corpo. Quando os ossos não se empilham em equilíbrio de acordo com o desenho [da estrutura esquelética], os padrões posturais automáticos não estão disponíveis para ajudar a fazer a sustentação e os movimentos com sensação de facilidade. Na ausência do equilíbrio ósseo e dos padrões posturais automáticos, os grupos musculares não projetados para a tarefa em questão começam a compensar. Isso leva a todos os tipos de desconforto e tensão muscular (JOHNSON, J. 2009, p. 7, tradução nossa). (9)


Geralmente o que ocorre é uma sobrecarga dos músculos de movimento, que acabam por desempenhar também a função de sustentação. Essa sobrecarga pode ser sentida como excesso de tensão. Em contrapartida, os músculos de sustentação são subutilizados e assim não são fortalecidos o suficiente. Se os ossos estiverem no lugar em que foram desenhados para estar, de acordo com um mapa cerebral correto, os músculos se adequam com sua sabedoria natural, voltando às suas funções originais - as que exercem melhor - e não há a necessidade de compensar nenhum desequilíbrio. O uso muscular é otimizado e a sensação é de facilidade. Ou seja: pensar nos ossos é pensar nos músculos.


Após essas informações e observações, podemos entender que a sensação de “relaxamento" que se busca ao tocar violino é na verdade a liberdade de movimento que naturalmente existe quando o sistema esquelético e o sistema muscular estão em equilíbrio, usando apenas a contração muscular necessária ao movimento desejado, nem mais nem menos.


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9 Our bones are designed to meet in very specific relationships to one another. When they do, they perch effortlessly, one a top the other. Discovering this right relationship of the bones triggers what neurophysiologists now call automatic postural patterns […]. These postural patterns automatically help to re-organize the soft tissues surrounding the bones (ligaments, tendons, fascia, and muscles) so that the muscular work of both supporting and moving ourselves is re-distributed evenly and appropriately throughout the body. When the bones do not stack up on balance according to design, the automatic postural patterns are not available to aid in making support and movement feel effortless. In the absence of the bony balance and the APP's, muscle groups not designed for the task at hand start compensating. These leads to all sorts of muscle discomfort and strain.



3. Quais são os movimentos necessários para tocar violino?


Existem mais de dez músculos responsáveis pelos movimentos na região dos ombros. São camadas de músculos que se estendem pelas costas, ombros, pescoço, peitoral, chegando até o úmero (10). Esses são os músculos que causam o movimento do úmero, e boa parte deles se encontra ou passa pela região que muitos professores de violino pedem para seus alunos relaxarem.


Tocar violino requer a combinação de uma ampla gama de movimentos dos membros superiores e para que isso aconteça é necessário que esses mais de dez músculos entrem em ação. Como vimos: ação = contração. Ou seja, não existe ação de tocar violino sem ação na região dos ombros.


Muitas vezes essas ações na região dos ombros passam despercebidas ao sentido da visão, muitas dessas ações são delicadas, discretas, ocorrem na região posterior ou anterior dos ombros. Outras vezes estão cobertas pelo violino pousado sobre o ombro. A questão é: se pensamos que não podemos ter nenhum tipo de movimento nos ombros, enviamos ao nosso corpo a ordem de paralisar a região, agindo contra o que nosso corpo foi projetado para fazer.


Mas antes de direcionar olhares de desaprovação aos nossos bem intencionados mestres, vejamos o que diz o professor Jeremy Chance no curso BodyThinking Online a respeito de instruções sobre os ombros:


Quando você está ajudando alguém a mudar a forma como pensa é importante entender a boa intenção por trás da instrução. E talvez entender mais profundamente a razão para a instrução. Acho que uma possível razão para tantos professores estarem nessa campanha para parar o movimento da clavícula e escápula tem a ver com a sequência na qual o movimento acontece. Então se eu quisesse alcançar um livro, eu começaria aqui pelos meus dedos, dobraria no pulso, aí dobraria no cotovelo, aí dobraria na articulação glenoumeral, e conforme meu braço continuasse a se mover, também a clavícula e a escápula seguiriam [o movimento] enquanto o braço conduziria para cima. Você pode ver na sequência deste movimento que isto [clavícula e escápula] é o último a se mover. Talvez seja isso que os professores estejam pedindo que as pessoas façam: entender a sequência correta. (CHANCE, J. [s.d.]) (11)


Sendo assim, provavelmente o que nossos professores de violino queriam dizer era: o movimento não parte dos ombros.


A violinista de origem húngara Kato Havas escreveu, em seu livro “Stage Fright - its Causes and Cures, with special reference to violin playing” (12), que a tensão excessiva no ombro esquerdo é uma das consequências do medo de deixar o violino cair. Para lidar com isso, Havas propõe uma reestruturação do equilíbrio do corpo como um todo e a sua relação com o violino. Ela parte do princípio de aflorar a musicalidade primeiro no corpo, sem o instrumento, cantando e sentindo o pulso rítmico usando as articulações dos joelhos e as palmas. Apenas depois disso ela propõe exercícios gentis para ressignificar o que é segurar o violino, trocando a noção de prender o violino entre o ombro e o queixo pela noção de deixar o violino pousar sobre o ombro. A abordagem é gentil, auto perceptiva, musical e busca liberdade de movimento em todos os passos. (13)


Sobre o ombro direito, Kato Havas explica a relação do braço direito com o arco quando discorre sobre medo de o arco tremer. Para explicar o funcionamento básico do braço direito dos violinistas, ela divide o arco em duas partes desiguais, no ponto de equilíbrio, que se situa mais próximo ao talão (figura 4). 


Figura 4: Ponto de equilíbrio do arco, onde ele é dividido em duas partes de pesos iguais. 


A movimentação ocorre da seguinte forma: a porção do arco que vai do talão até o ponto de equilíbrio é movida pelo úmero. Olhando para a parte anatômica dessa informação, esse movimento de “abre-fecha” do braço, levantado e dobrado, que usamos para nos aproximar do talão, acontece visualmente a partir da articulação glenoumeral, mas envolve as três articulações e todos os músculos da região do ombro. O movimento parte da região do úmero, mas é importante deixar a região do ombro livre para entrar em ação, seguindo a direção do movimento do braço. Como vimos, o que pensamos do movimento define como ele será feito. Assim sendo, para não incorrer em extremos - para não paralisar o ombro, nem movê-lo em excesso -, podemos pensar nesse movimento nos seguintes termos:

    • O ombro se move, mas o movimento não parte dele.
    • O ombro não move, ele é movido pelo braço.
    • O movimento parte do muque.
    • Deixar o ombro livre para fazer o que ele tem que fazer.
    • Deixar o ombro livre para ser movido.
    • Menos força no ombro.
    • Deixe os ombros livres para se mover e foque sua atenção no braço.

Já a porção mais longa do arco, que vai desde o ponto de equilíbrio até a ponta, é movida pelo antebraço a partir das articulações do cotovelo, em movimento de abre e fecha. (14)


Ao entender a mecânica da relação entre as partes do arco com as partes do braço, torna-se bem mais fácil mover o braço direito e movimentar o arco com liberdade do talão até a ponta.


Tanto Kato Havas quanto Jennifer Johnson falam sobre equilíbrio do corpo o tempo todo. É um sentido amplo, profundo e dinâmico de equilíbrio, como forma de ser no próprio corpo em movimento. Esse conceito é tão importante que a professora de Técnica de Alexander Eleni Vosniadou (15), especializada em músicos, não fala de postura para tocar, mas sim de equilíbrio dinâmico para tocar.


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11 When you are helping someone to change the way they think it is important to understand the good intention behind the instruction. And maybe understand more deeply the reason for the instruction. I think a possible reason for so many teachers to be in this campaign to stop the movement of the clavicle and scapula has to do with the sequence in which the movement happens. So if I wanted to reach a book, I would start here by my fingers, then I would bend in the wrist, then I would bend in the elbow, then I would bend in the glenohumeral articulation and then as my arm would continue to move, so does the clavicle and scapula would follow while the arm would lead upwards. You can see in the sequence of this movement that this is the last to move. Maybe this is what the teachers are asking people to do: to understand the right sequence. Parte do curso online BodyThinking de Mapeamento Corporal para Professores de Técnica de Alexander, disponível para aquisição em <https://bodychance.mykajabi.com/bodythinking-online-en>. Acesso em 04/11/2018.

12 “Medo de Palco - suas causas e curas, com especial referência à tocar violino”

13 HAVAS, K. Stage Fright: Its Causes and Cures with Special Reference to Violin Playing. Bosworth & Co. Ltd. pp. 18-27.

14 idem

15 Professora de Técnica de Alexander, Eleni Vosniadou é radicada em São Paulo e desenvolve intenso trabalho de consciência corporal para músicos, combinando noções de Técnica de Alexander e Mapeamento Corporal.



4) Qual a importância da linguagem/vocabulário usado?


Assim como é importante haver precisão no entendimento da estrutura do corpo, é importante haver precisão nas palavras usadas nas instruções aos alunos de violino, pois isso vai direcionar a condução que farão do próprio corpo.


Retornemos às instruções comuns nas aulas de violino: “Relaxe o ombro”, “Abaixe o ombro” e “Não mexa o ombro”. 


Pensemos por um instante sobre o termo Relaxar. Não do ponto de vista anatômico, mas do ponto de vista semântico. Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa:


Relaxar

verbo transitivo direto 1. Diminuir a força ou atenção de; tornar frouxo ou laço; afrouxar. 2. Dispensado do cumprimento de lei (lei ou dever). 3. Emitir culpa ou pecados a; perdoar a; absolver. 4. Atenuar, moderar, abrandar, suavizar. 5. Corromper, perverter; depravar. 6. Tornar fraco ou mais fraco; enfraquecer, debilitar. verbo intransitivo 7. Afrouxar, enfraquecer, entibiar. 8. Fazer o relaxe (2) de contribuição. verbo transitivo indireto 9. Condescender, transigir, contemporizar. 10. Enfraquecer, afrouxar, entibiar-se. verbo pronominal 11. Perder a força ou tensão; afrouxar-se. 12. Tornar-se negligente; desleixar se, desmazelar-se. 13. Desmoralizar-se, perverter-se, corromper-se. 

Alguns sinônimos da palavra “relaxado” incluem: despreocupado, repousado, folgado, calmo, desmazelado, desleixado, mal cuidado, frouxo, bambo, negligente, preguiçoso. A maior parte da gama de significados imbuídos na palavra “relaxado” remete a um abandono físico (como alguém “largado” no sofá) ou desleixo no cuidado com objetos (ou movimentos). Relaxar remete à uma falta de ação. 


Já observamos que, como violinistas, o objetivo é que os músculos estejam em uso (contração) com sensação de liberdade. Por essa razão esta investigação propõe a substituição do termo “relaxar” e seus derivados por “soltar” e seus derivados. Segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa:


Soltar

Verbo transitivo direto 1. Desatar, desprender, desligar. 2. Tornar livre; dar a liberdade a; restituir a liberdade. 3. Deixar frouxo; afrouxar. 4. Deixar escapar dos lábios, do bico, etc.; Deixar ouvir; emitir, despedir. 5. Apresentar fluxo involuntário de. 6. Desfazer, resolver, solver, dirimir. 7. Exalar, emitir, desprender. 8. Desobrigar de compromisso; quitar. 9. Dizer, pronunciar, proferir. 10. Lançar, atirar, disparar, arremessar. 11. Largar da mão; deixar cair. 12. Liberar; desprender. 13. Liberar (recursos, financiamento, etc.). 14. Fazer funcionar; regularizar. 15. Desfraldar (velas). 16. Dar, aplicar. 17. Dar, doar. 18. Cair; desprender-se. Transitivo indireto 19. Largar, deixando, ou ficando livre. Verbo pronominal 20. Pôr-se a caminho; sair. 21. Desatar-se, desligar-se, desprender-se. 22. Pôr-se em liberdade; escapar. 23. Correr livremente. 24. Desinibir-se.


Observemos que a maior parte dos significados imbuídos na palavra “soltar” falam de liberdade, e não de abandono. Além disso alguns dos significados se relacionam com o ato de fazer música, tanto fisicamente quanto poeticamente, como nas definições nº 4, 7, 9 e 24.


Soltar remete à uma ação com liberdade de movimento. É um verbo mais próximo à real ação muscular desejada. Os adjetivos “livre” e “fácil” também são comumente usados em Técnica de Alexander e Mapeamento Corporal e evocam a mesma sensação de facilidade em uso. Em adição às sugestões de instrução presentes no questionamento anterior, aqui estão alguns exemplos de instruções substitutivas ao “Relaxe os ombros”: 

  • Solte os ombros.
  • Deixe o ombro livre.
  • Ombros soltos.
  • Sinta o ombro fácil.

Sobre a instrução “Abaixe o ombro”, abaixar o ombro - depressão da clavícula e escápula - é um movimento que o corpo humano possui, porém é na direção contrária da ação necessária para tocar violino. Por esse motivo, a depressão do ombro durante o ato de tocar violino acarreta uma batalha muscular, pois existe a ordem do pensamento de “abaixar o ombro” e a necessidade física de mover a região dos ombros para levantar os braços. Essa batalha muscular causa tensão excessiva, já que os músculos estão tentando cumprir duas funções contrastantes ao mesmo tempo. Isso leva a dor e até lesão.


“Não mexa o ombro”: já observamos que essa instrução pede algo anatomicamente impossível, se consideramos os movimentos necessários para tocar violino. E mesmo quando é detectado um movimento excessivo nos ombros do estudante de violino, ainda assim essa instrução pode levar o estudante a entender e realizar uma ação que paralisa o ombro, gerando uma batalha muscular similar à do parágrafo anterior: a ordem cerebral de não mover indo contra a necessidade de movimento na região dos ombros para levantar os braços.


Assim sendo, as instruções “Abaixe os ombros” e “Não mexa o ombro” não são recomendadas por serem anatomicamente conflitantes. Ambas podem ser substituídas pelas instruções sugeridas anteriormente.


Outro aspecto de linguagem digno de atenção é a associação de palavras de ordem, obrigação e rigidez à ação/sensação de leveza muscular. No livro “Principles of Violin Playing and Teaching” (16), o violinista e pedagogo Ivan Galamian escreve: 


O ombro do instrumentista deve estar completamente relaxado a todo custo, e deve permanecer neste estado relaxado durante toda a arcada, de uma ponta à outra. Não é apenas recomendável, mas também imperativo, reforçar o relaxamento do ombro desde o começo (GALAMIAN, I. 1962, p. 52, tradução nossa.). (17)


Os termos “a todo custo”, “deve”, “imperativo” e “reforçar” (18) evocam um tipo de ação muscular contrária ao que o autor parece buscar. Colocar todos esses termos de rigidez e esforço para indicar a ausência de um esforço envia mensagens contraditórias ao cérebro que, por sua vez, envia mensagens contraditórias aos músculos, mais uma vez podendo acarretar conflito na execução da ação pelo corpo. Isso pode causar “esforço para relaxar”, que também é comum entre violinistas.


Pode-se substituir o conceito de necessidade/obrigação pela possibilidade de facilidade, pela atenção e autoconhecimento que levam à um melhor manejo de si e do instrumento. No lugar de “Você tem que relaxar a todo custo”, dizer “Você pode usar menos força.” Podemos substituir as palavras de ordem por perguntas que geram atenções específicas: 

    • Como você se sente se tensionar todo o seu braço de propósito?
    • O que acontece no seu ombro se você simplesmente deixar ele se mexer?
    • Existe alguma região do arco em que é mais difícil/fácil de tocar?
    • Depois de descobrir que seus braços começam na clavícula, qual a sensação de mover o arco? E de segurar o violino?
    • Quanto de esforço muscular você está usando? Esse é o tanto que você precisa?
    • A ação que você sente na região dos ombros, ela está ocorrendo antes ou depois da ação do braço?
    • Você entende qual a sequência do movimento para desempenhar isto aqui?
    • Abaixe o ombro de propósito e mexa os braços. Quão fácil é mexê-los? E se levantar bastante os ombros e mexer os braços? Quão fácil é mexê-los? E se não fizer nada com os ombros, deixá-los livres e mexer os braços? Quão fácil é mexê-los?

O simples fato de voltar a atenção para o corpo durante a ação de tocar violino, com o intuito de observar e entender, já causará alguma transformação. O entendimento e a mudança podem ser instantâneos ou levar algum tempo, mas esse tipo de observação curiosa é uma ferramenta importante e poderosa no entendimento de si mesmo e na transformação de hábitos de movimento.


Inúmeras perguntas como estas podem ser usadas a fim de guiar a atenção dos estudantes, fazendo-os escutar as respostas do próprio corpo. Esse processo também é usado muitas vezes em aulas de Técnica de Alexander: perguntar ao aluno o que sente, em vez de simplesmente dar respostas (que normalmente variam de aluno para aluno!), faz com que as noções físicas sejam aprendidas com o corpo, e não apenas no campo intelectual.


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16 Princípios para tocar e ensinar violino

17 The player's shoulder must be completely relaxed at all costs, and should remain in this relaxed state throughout the drawing of the stroke from one end of the bow to the other. It is not only advisable, but also imperative, to stress shoulder relaxation from the very beginning.

18 Traduzido do inglês to stress



5. Conclusão


Assim como na Técnica de Alexander e no Mapeamento Corporal, é essencial trilhar um caminho individual de autoconhecimento físico, entender os caminhos dos próprios ombros para depois, no caso de professores, ajudar os alunos. É essencial unir as informações intelectuais às sensações e descobertas físicas, como no exemplo em que colocamos a mão esquerda em cima da clavícula direita e mexemos o braço direito para sentir o pequeno movimento existente nesse osso. É essencial deixar o corpo aprender, sentir. A concepção de corpo descrita no livro “The Inner Game of Tennis” (19), de Tim Gallwey, aqui se aplica: O corpo físico inclui o cérebro, o banco de memória (consciente e inconsciente) e o sistema nervoso, formando uma “tremendamente sofisticada e competente coleção de potencialidades” (20) (GALLWEY, W. T. 1974, p. 35. tradução nossa). O corpo humano é bem mais complexo e cheio de sabedoria e capacidade de aprendizado do que estamos acostumados a ver na cultura ocidental, onde o corpo é frequentemente considerado um invólucro de valor menor.


Em todas as partes deste artigo foram apresentadas possibilidades de abordagem para a problemática do excesso de tensão na região dos ombros dos violinistas e estudantes de violino. É possível, por meio das informações sobre a estrutura, forma, tamanho e função dos ossos do membro superior, experimentar a movimentação do braço que inclui a clavícula e a escápula e usar os pequenos exercícios aqui descritos. É possível, por meio das informações sobre o funcionamento muscular, entender quanta força é necessária para mover os braços e testar gradações de esforço. É possível aplicar as noções de relação com o instrumento de Kato Havas. Podem ser usadas palavras, frases e instruções mais conducentes ao objetivo de liberdade de ação, como as sugeridas anteriormente. Podem ser feitas perguntas e anotações durante o estudo acerca das sensações do próprio corpo. Podem ser feitas perguntas que estimulem os alunos a se perceberem. Todos esses são caminhos para os ombros.


Fundamentalmente, deve-se estimular o conhecimento e a percepção do próprio corpo. Trazer o saber ao sentir. Usar a visão, a audição, o tato e a propriocepção para experimentar no corpo as informações adquiridas acerca de sua estrutura e funcionamento, fazendo com que um uso livre dos ombros seja consequência dessa descoberta de si mesmo.


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19  O Jogo Interior do Tênis

20 Tremendously sophisticated and competent collection of potentialities


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Referências Bibliográficas


Livros

GALAMIAN, I. Principles of Violin Playing and Teaching. 3.ed. Michigan: Shar Products Co., 1999

GALLWEY, W. T. The Inner Game of Tennis. Nova York: Random House Trade Paperback Edition, 2008.

HAVAS, K. Stage Fright: Its Causes and Cures with Special Reference to Violin Playing. Bosworth & Co. Ltd.

JOHNSON, J. What every violinist needs to know about the body. Chicago: GIA Publications, Inc. 2009.

Artigos

BOLSANELLO, D. P., A educação somática e os conceitos de descondicionamento gestual, autenticidade somática e tecnologia interna. Motrivivência, Ano XXIII, No 36, p. 306-322 Jun./2011.

Verbetes em dicionários

RELAXAR. In: DICIO, Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Aplicativo para telefone móvel. Acesso em 05/11/2020.

SOLTAR. In: DICIO, Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Aplicativo para telefone móvel. Acesso em 05/11/2020.


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No vídeo abaixo a professora de Técnica de Alexander Eleni Vosniadou dá uma aula na qual ensina e guia experimentações citadas neste artigo. Esta aula aconteceu dentro do OSUSPFest, um festival online realizado pela OSUSP, Orquestra Sinfônica da USP, voltado à saúde e bem estar do músico.



Eleni Vosniadou é fundadora e diretora do curso Consciência Corporal Para Músicos®, que desde 2014 tem capacitado músicos e professores de música em aperfeiçoarem a sua relação com o próprio corpo durante a sua prática musical e vida. 

Natural da Grécia, Eleni reside e leciona no Brasil desde 2012. Possui formação em percussão erudita pelo Neo Odeio Thessalonikis (Grécia) e em Técnica Alexander pelo London Centre for Alexander Technique and Training (Inglaterra), com cursos complementares em Anatomia, Fisiologia e Patologia (Anatomy, Physiology & Pathology ITEC 3, Londres) e Fisioterapia (Universidade Nove de Julho, São Paulo). Foi através da conscientização corporal que conseguiu resolver problemas de tendinite crônica, o que potencializou radicalmente a sua performance musical.



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