10/07/2015

MEDITAÇÃO DE THAÏS

Cabelos curtos bem pretos e enroladinhos, alta, sorriso largo e a voz que a língua húngara deixa levemente estridente. Foi o que vi quando olhei para Leila Rásonyi ao chegar na Academia de Musica de Budapeste para conhecê-la. Uma imagem que foi ganhando  intensidade com o passar das aulas de violino.

Leila Rásonyi, que em 2005 era professora na
Academia de Música Franz Liszt de Budapeste.
Falante e cheia de histórias, começou contando a origem do próprio nome: “Meu pai era pesquisador de cultura turca. Não só, mas turca principalmente. Por isso meu nome, não é húngaro, é turco. E sabe quem deu a ideia? Bartók.” Arregalei os olhos. “Sim, o compositor. Ele e meu pai estavam juntos quando eu ainda estava na barriga da minha mãe, e foi ele que sugeriu. Ele também gostava de cultura turca.”


O encantamento de Leila Rásonyi estava presente não apenas nos ensinamentos e nas histórias, mas em tudo que a cercava. Era muito bom olhar para os tapetes pendurados nas paredes da sua casa, descobrir os muitos livros misturados aos objetos trazidos de um pedaço mais pra lá do Leste Europeu que deixavam o ambiente tão acolhedor e único quanto ela.

Poster original
 da estreia da
ópera em 1894
Não me lembro ao certo se na primeira ou segunda aula, ela me deu a Meditação de Thaïs para estudar. Pensei: “Mas isso é música de casório...” Bom, era essa a vivência que eu tinha: alguém tocando a peça de forma duvidosa em alguma cerimônia de casamento ou recepção de evento. 
Foi então que Leila me perguntou se eu conhecia a história da ópera Thaïs. "Nossa, é verdade, isso faz parte de uma ópera...” pensei, lembrando vagamente. Respondi que não conhecia e, a partir daí, a professora me contou algumas coisas que mudaram, e muito, o que era a Meditação de Thaïs pra mim.


Thaïs é uma cortesã, considerada a mais-mais das cortesãs, o símbolo do amor terreno, amor dos homens. Athanaël, o padre, conhecido pela eloquência de seus discursos, é o símbolo do amor do espírito, amor divino. Ele falava muito contra o que considerava os pecados de Thaïs, contra ela e seu modo de vida. Um dia, Thaïs ouviu um de seus discursos e apaixonou-se. Só que pelo jeito de amar que ele pregava. E, mais tarde, ele se descobre apaixonado por ela na forma do amor dela, o carnal. E é esse jogo de paralelos e opostos que está presente em toda a história. A Meditação é tocada no meio do segundo ato da ópera, quando Thaïs reflete sobre o que está acontecendo, qual amor viver, qual vida levar. Curioso notar que não há canto durante a Meditação, mesmo quando apresentada dentro da ópera, há apenas o violino solo com acompanhamento de orquestra.

Minha partitura de violino da Meditação
de Thaïs, do arranjo para violino e piano.
O primeiro tema mostra ela e seu amor por ele, ou o amor divino, elevado (começo até segundo compasso da quarta linha). Esse tema aparece num registro mais agudo do violino, com ritmo mais “quadrado”, digamos, em piano e com timbre mais delicado e dolce. Aí tem uma transição, um questionamento: não mais piano e sim mezzo forte, um do natural indicando uma saída da tonalidade inicial. Esse questionamento cresce até cair no segundo tema, no segundo compasso da sexta linha, em forte sforzato, più mosso, agitato, síncopas, indicando grande instabilidade e o amor terreno, carnal, que ela vinha vivendo até então - e que ele sente -, o breve momento em que ela decide continuar com sua vida de cortesã. Isso não dura muito, e em poucos compassos voltamos ao amor divino em ré maior. Engraçado pensar que a representação sonora do amor divino tem características mais femininas e que o som do amor terreno tem características mais masculinas. É nesse amor divino que está a maior parte do pensamento, da meditação de Thaïs. No fim da Meditação, ela decide ir embora com ele para se converter e se entregar totalmente ao amor divino e à redenção dos pecados.

A música é tão forte na sua simbologia que mesmo fora da ópera ela parece carregar simetrias de opostos.

Minha professora tinha especial afeto por essa música porque sua mãe gostava muito dela. Quando a mãe faleceu, um dos melhores e mais queridos alunos da Leila foi ao velório e tocou essa música. Foi um momento extremamente especial, dava pra ver no brilho dos olhos da Leila e no tom de voz aveludado com o qual ela me contou.

O tempo passou. Esse aluno se casou e teve o primeiro filho. Quando isso aconteceu, Leila foi ao batismo presenteá-los, e a Meditação de Thaïs foi o presente escolhido. Outro momento muito emocionante. Ela me disse, com um grande e terno sorriso nos lábios: “Ele tocou essa música pra mim num momento de morte e eu pude retribuir tocando essa música pra ele num momento de nascimento.”



por Helena Piccazio.
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A ópera Thaïs será apresentada no Theatro Municipal de São Paulo em julho e agosto de 2015.
Ingressos aqui.

Thaïs no Teatro Regio de Torino em 2008. É essa montagem
que vem ao Theatro Municipal de São Paulo.
Foto do site de Stefano Poda, o diretor.

THAÏS

de Jules Massenet


23, 25, 26, 28 e 30 de julho
1 e 2 de agosto

Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo

Coro Lírico Municipal de São Paulo

Balé da Cidade de São Paulo


Alain Guingal – Direção musical e Regência
Stefano Poda – Direção cênica, Cenografia, Figurinos, Desenho de luz e Coreografia

5 comentários:

  1. Muito bom mesmo!!!

    Queria tanto ir com minha esposa assistir a ópera....mas viajei e acabei não comprando os ingressos.
    Por acaaaaaaaso, alguém comprou e por algum motivo não vai, ou sabe quem tem ingressos sobrando?

    Grande abraço

    Carlos
    (11) 9 9242-2063 (WhatsApp)

    carlos.mursa@gmail.com

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