20/01/2020

AUMENTE SUA CONFIANÇA ABORDANDO O ESTUDO COMO UM CIRURGIÃO

Artigo por Noa Kageyama, PhD. Originalmente publicado no site The Bulletproof Musician

Foto encontrada aqui.

Por muitos verões eu fui para o Festival de Música de Aspen fazer aulas com Paul Kantor que, de forma sábia (mas frustrante!), nem sempre me dava as respostas.

O que eu esperava dele enquanto professor era que me dissesse o que estava errado e como consertar. Mas, frequentemente, ele invertia os papéis e perguntava para mim o que estava errado, por que eu achava aquilo e como eu mudaria as coisas. Às vezes ele até imitava e exagerava o que me viu fazendo (eca, que horror!) e me pedia para fazer o papel de professor.

Eu era bem jovem e não queria pensar tanto. Foi bagunçado. Envolveu muito palpite, tropeços por aí, tentativa e erro e períodos de frustração.

Eu gostava de clareza e, portanto, tudo o que eu realmente queria de uma aula era que me dissessem o que fazer para eu poder ir para casa estudar isso.

Quero dizer, não é isso que um professor deve fazer?

A chave de um cirurgião para o aprendizado

Ramsey Musallam era um jovem professor de química do ensino médio com uma filha de 2 anos e um bebê a caminho quando foi diagnosticado com um grande aneurisma que exigia cirurgia feita com o coração aberto.

Ele admite ter surtado como qualquer pessoa normal faria, mas também sentiu grande conforto na confiança de seu cirurgião. Ele perguntou de onde vinha essa confiança e o cirurgião respondeu com três chaves.

1. Sua curiosidade o levou a fazer perguntas difíceis sobre o procedimento. O que realmente funciona? O que não?

2. Ele abraçou o inevitável e bagunçado processo de tentativa e erro.

3. Através de intensa reflexão, ele reuniu as informações necessárias para planejar e revisar o procedimento.

Músicos podem não lidar com questões de vida e morte diariamente (embora às vezes pareça), mas me parece que esse modelo é tão aplicável e valioso para os músicos quanto é para os cirurgiões.

Como?

1. Curiosidade e perguntas difíceis

Ouvindo uma gravação sua, o que soa bem? O que não soa tão bem? O que está funcionando? O que não está funcionando? Por quê? Por que não? Que suposições precisamos questionar?

2. Abraçando a bagunça

Eu não me importava de arrumar o quarto de vez em quando, mas costumava sentir uma certa resistência porque isso significava esvaziar o armário, tirar o que estava embaixo da cama, limpar a escrivaninha e deixar tudo muito mais bagunçado antes de ficar melhor.

Gostamos que as coisas soem bem mesmo durante o estudo, então pode ser difícil para nós ter paciência e nos permitir a liberdade de experimentar e tentar coisas diferentes que soam piores no curto prazo, mas que podem levar a avanços importantes em como tocamos.

3. Reflexão

Talvez esta seja a parte ser mais difícil. Não porque é realmente difícil, mas porque dá muito trabalho! Pensar, ponderar e refletir de verdade sobre o que observamos em nosso estudo e o que estamos aprendendo com nossas tentativas e erros pode ser exaustivo!

Eu não queria pensar tanto assim durante o estudo. Eu só queria que as coisas melhorassem por conta própria. E normalmente melhoravam - até certo ponto - se eu ficasse só tocando as coisas de novo e de novo.

Mas não melhorava tão rápido quanto eu queria. E não no nível de consistência que eu precisava. E certamente não de maneira que eu tivesse confiança na minha capacidade de reproduzir o que estudei em uma situação de maior risco e pressão.

Mas eu argumentaria que é nessa parte do processo que grande parte do aprendizado real acontece. Onde todas as perguntas se consolidam em uma nova teoria de como as coisas funcionam. Como o pizzicato de mão esquerda funciona. Como o staccatos seguidos para cima e para baixo funcionam. Como tocar quintas afinadas funciona. Como som ressonante funciona. Como ataques claros funcionam. Como tocar com suavidade funciona. Como acertar a nota aguda funciona.

Onde as coisas se tornam menos sobre cruzar os dedos e torcer para a coisa sair como no estudo, e mais sobre saber que vai soar como você quer na hora do “vamo-vê”, porque você sabe exatamente o que funciona e o que não funciona.

Frigideiras são quentes para %&#$!

Esse processo de fazer suas próprias perguntas, tropeçar por aí para coletar seus próprios dados e ponderar sobre esses dados para descobrir suas próprias conclusões é, na verdade, um processo extremamente gratificante e, embora não seja tão fácil quanto alguém simplesmente te dizer o que fazer, pode ser um processo muito mais robusto também.

Lembro-me de ter uns dois anos de idade e ver meu pai fazer panquecas em uma chapa elétrica. Como qualquer criança de dois anos, eu não conseguia entender por que meu pai ficava tentando me manter longe da chapa. Ele dizia que estava "quente" e que iria doer, mas isso realmente não significava nada para o meu cérebro de dois anos de idade.

Então o que eu fiz? Quando ele não estava olhando, eu encostei na chapa. E rapidinho eu descobri o que "quente" queria dizer.

Certamente podemos aprender muito com pessoas mais sábias e experientes, é importante ouvir seus conselhos para chegar aonde queremos mais rápido e evitar besteiras e erros desnecessários.

Mas, às vezes, especialmente quando se trata de confiança, temos que descobrir as coisas da maneira mais difícil. Porque uma coisa é quando nos dizem o que fazer, e outra é descobrir e aprender por nós mesmos.

Resumo de uma frase

“Eu ouço e eu esqueço; eu vejo e eu lembro; eu faço e eu entendo.” ~Confúcio

Recursos adicionais

Ramsey Musallam sobre as 3 regras para acender o aprendizado, palestra no TED (falado em inglês, mas tem legenda em português):



Paul Kantor sobre Dorothy Delay e ensino versus aprendizado (em inglês):


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Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ser convidado das principais instituições de ensino de música nos EUA, ensinando músicos como tocar o seu melhor sob pressão através de aulas ao vivo, treinos e um curso on-line.

Tradução autorizada, por Helena Piccazio.

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