10/12/2015

O BEIJO DA MORTE E COMO EVITÁ-LO

por Dr. Noa Kageyama, publicado originalmente no blog do site The Bulletproof Musician
THE KISS OF DEATH AND HOW TO AVOID IT


“No balls, no blue chips.”
(ditado americano que quer dizer: sem ousadia, sem prêmio máximo)


Esse ditado pode ser um pouco grosseiro, mas vem de um pôster da “Lei de Murphy” que eu tinha na faculdade e passa uma mensagem importante.


(Para quem não se lembra da Lei de Murphy, é aquela “lei” bastante pessimista que diz que se algo pode dar errado, vai dar. Esta lei prevê que a outra fila sempre anda mais rápido, que você sempre vai encontrar o que procura no último lugar que olha, e que as chances de um pedaço de torrada cair com o lado da manteiga/geléia/nutella para baixo é diretamente proporcional ao preço do tapete.)



Lembre-se de suas performances passadas. Você as começou temendo a Lei de Murphy? Em outras palavras, você começou tocando hesitante e “seguro”, ou mergulhou de cabeça como se não houvesse amanhã desde a primeira nota?

É muito natural querer segurar um pouco a onda no início de uma peça. Provavelmente seu coração está batendo forte no peito, seus pensamentos podem estar espalhados, e dado o quão nervoso e fora de controle você se sente, evitar grandes erros nas primeiras linhas da peça pode parecer a prioridade número um. Infelizmente, ceder a esse medo instintivo geralmente não leva a grandes sucessos no palco ou em audições.


COMO GARANTIR RESULTADOS MORNOS


Por que não? Bem, para início de conversa, isso não causa uma boa primeira impressão, e pode ser difícil se recuperar de uma primeira impressão negativa (especialmente em audições). Pense nisso, mesmo uma primeira impressão neutra é difícil recuperar. Já assistiu American Idol e ouviu o jurado Simon Cowell usar a palavra "esquecível" para descrever uma performance? Para os candidatos, isto é como o beijo da morte. Afinal, você quer que o público lembre de você e de sua performance. Tocar seguro” praticamente garante que seu desempenho será esquecível (na melhor das hipóteses!).


Em segundo lugar, a estratégica “tocar seguro” geralmente não funciona tão bem como achamos que vai funcionar. Quando você inicia uma performance dessa forma, muitas vezes você erra mesmo assim (porque tocar timidamente e “seguro” não é o que você sente como normal, já que não foi assim que você estudou), o que faz você se contrair e tocar ainda mais timidamente e com mais cuidado, em efeito bola de neve causando mais erros.


Se a mediocridade é o seu objetivo, e você não se importar em ser esquecível, então com certeza pode ficar com essa estratégia de começar tocando “seguro". Por outro lado, se você quiser fazer uma boa impressão e deixar a banca intensamente curiosa pra saber quem estão ouvindo (ao ponto de quase esquecer de procurar defeitos e ser tão hiper-críticos), é hora de aprender a se tornar um performer mais destemido.


DESTEMOR TAMBÉM É VALORIZADO EM AUDIÇÕES


Eu sei que é muito mais fácil tocar sem medo em concertos do que em testes, porque nesses testes existe muita ênfase em “não cometer erros” na comparação com centenas de outros candidatos. No entanto, você provavelmente não vai passar num grande teste porque errou menos que todos os outros. Você vai passar porque a banca pensa que você pode adicionar algo à orquestra, e porque você deixa uma impressão tão forte em suas mentes que eles querem tocar ao seu lado.


Você não precisa tomar apenas a minha palavra. Certa vez ouvi David Kim (spalla da Orquestra da Filadélfia) dizer isso em uma masterclass de repertório orquestral. Ele observou que as comissões de audição conseguem dizer quando alguém é destemido, e que isto deixa uma impressão forte. Como eles podem perceber atrás do biombo? Por tudo, incluindo as pequenas coisas que você pode não ter pensado - tais como a não-hesitação antes de iniciar um excerto após a partitura ter sido colocada estante. 


COMO ALGUÉM SE TORNA UM ARTISTA MAIS DESTEMIDO?


É claro que não existe um único jeito “certo”, mas não importa qual caminho você siga, o ingrediente-chave que precisa ser cultivado é a coragem. A grande coisa sobre a coragem é que ela não é uma característica inata, mas sim uma qualidade que podemos fortalecer - como um músculo.


Como se constrói músculo? Progressivamente e sistematicamente aumentando a carga ou exigência que você põe nele. Acredite ou não, o mesmo princípio aplica-se à construção de coragem. Aqui está uma maneira de adicionar o desenvolvimento de coragem à sua rotina de estudo.


COMO CONSTRUIR CORAGEM EM 6 ETAPAS


1. Escolha um trecho

Selecione uma peça que tem bastante energia (ou seja, forte e/ou rápida) e que já está decentemente aprendida.

2. Prepare um dispositivo de gravação

3. Aumente o ritmo cardíaco

Dê uma corrida rápida ao redor do quarteirão, faça alguns polichinelos, etc. Como sempre, atenção: se você não se exercita frequentemente, está tomando medicamentos, ou tem uma condição de saúde pré-existente, por favor consulte um médico para se certificar de que é seguro exercitar-se desta forma.


4. Solte-se, vá com tudo, confie em sua capacidade

Pegue o seu instrumento, e antes que seus batimentos cardíacos voltem ao ritmo de repouso normal, se solte. Seu objetivo agora não é soar bem e estar sob controle. Tente tocar fora de suas zonas de conforto, e realmente jogue a precaução pela janela. Seja desinibido, ousado, e permita-se perder notas, cometer grandes erros, ou produzir sons horríveis - apenas faça experimentos com a energia que você está sentindo com seu coração batendo rápido e os músculos um pouco fora de controle.


Lembre-se de que você está numa sala chamada sala de estudo - e não sala de perfeição (ha, ha). Dê-se permissão para errar, de modo a descobrir o que você realmente é capaz de fazer.


Se você é como a maioria, permitir-se cometer erros (mesmo por alguns minutos) vai dar uma sensação de coisa errada, então aqui estão algumas citações para te ajudar a ficar em paz com essa idéia de cometer erros, a fim de tornar-se mais corajoso:


"Se você não está fracassando de vez em quando, é um sinal certo de que não está tentando nada muito inovador."
Woody Allen

"Criatividade é permitir-se cometer erros. Arte é saber quais manter."
Scott Adams

"A segurança é sobretudo uma superstição. Ela não existe na natureza, e nem os filhos dos homens, como um todo, a experimentam. Evitar o perigo não é mais seguro ao longo prazo do que a exposição total. A vida ou é uma aventura ousada, ou nada."
Helen Keller

5. Tome notas

Anote suas observações depois de cada repetição. O que você notou, como você se sentiu? Concentre-se não sobre os erros, mas nos elementos positivos, as pequenas pedras preciosas e pontos brilhantes no seu desempenho que, imbuídos dessa descarga de energia extra e ousadia, podem ter te surpreendido.

6. Enxágüe e repita

Faça isso pelo menos 5-10 vezes. As primeiras vezes podem soar bem horríveis, então nem precisa ouvi-las. Depois que você tiver algumas repetições mais na mão, aposto que vai ficar agradavelmente surpreso com o que vai trazer à tona tocando.


Passar por este exercício vai te ajudar não só a desenterrar potenciais e idéias escondidos, mas você vai descobrir e esclarecer onde fica a linha entre muito “seguro” e muito arriscado. Da próxima vez que você estiver no palco, vai ter uma idéia muito mais clara do quão longe pode chegar com segurança, tanto você mesmo quanto sua performance.


Boa sorte!


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Quando Noa Kageyama diz seguro”, este com as aspas, ele se refere àquele jeito de tocar quando não queremos correr nenhum risco, mal saímos da primeira posição e esquecemos de usar o arco inteiro, este “seguro” é o seguro-medroso, e não, nem de longe, o seguro-firme, ou sólido.  (N. da T.)

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Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ser convidado das principais instituições de ensino de música nos EUA, ensinando músicos como tocar o seu melhor sob pressão através de aulas ao vivo, treinos e um curso on-line.


Tradução autorizada, por Helena Piccazio.

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