21/09/2017

4 AMERICANOS EM SÃO PAULO: UMA SEMANA E TANTO!

No final de junho de 2017, desembarcaram em São Paulo quatro estudantes de uma das melhores escolas de música do mundo, a Juilliard School of Music, de Nova York, nos Estados Unidos. Jennifer Liu, Brian Hong (violinos), Jasper Snow (viola) e Eddie Pogossian (violoncelo) vieram ao Brasil para trabalhar com a Orquestra de Cordas do Guri e realizar, em formação de quarteto de cordas, apresentações em alguns polos da instituição.

Orquestra de Cordas do Guri, quarteto da Juilliard, maestro Thibaut Delor, solistas, professores,
músicos convidados, produtores e eu, enfim, todos os envolvidos nessa semana linda.
Foto de Roberta Borges.

A parceria entre a Juilliard e o Guri Santa Marcelina existe desde 2010 e várias ações de intercâmbio entre alunos e profissionais de ambas as instituições vêm acontecendo ao longo desses últimos 7 anos.


O resultado desse encontro foi surpreendente. Ao final de 5 dias de ensaios (tutti e de naipe) no auditório do MASP e dois dias de concertos, um no CEU Jambeiro e outro no MASP, as exclamações dos Gurizinhos eram todas do tipo “Vou levar essa experiência para o resto da minha vida!”. Muitas fotos, posts em redes sociais, sorrisos e agradecimentos e uma orquestra que, em apenas uma semana, aprendeu muito, ganhou confiança e tocou com muita beleza. Eu tive a honra de acompanhar o quarteto todo o tempo como tradutora, mas, num determinado momento, fiquei tão empolgada com o trabalho que não aguentei, me juntei à Orquestra de Cordas para tocar.

Era visível a satisfação dos quatro músicos convidados com o resultado alcançado. Jennifer, Brian, Jasper e Eddie ficaram impressionados com a resposta dos alunos do Guri, com a curiosidade deles e do tanto que evoluíram em tão pouco tempo. Além do trabalho com a Orquestra de Cordas, o quarteto visitou os Polos Achiropita e Arujá do Guri, onde se apresentaram, responderam perguntas e assistiram apresentações de alunos.


Na hora da conversa, os ouvidos estavam bem apurados. Todos curiosos para saber a história pessoal de cada um dos quatro estudantes, de como eles se interessaram pela música. E no relato dos quatro, um ponto comum e bastante importante: a influência dos pais, que os expuseram à música e ao mundo musical de alguma forma. Jennifer é filha de uma professora de violino para crianças e já aos 3 anos fingia tocar violino usando 2 palitos de comida chinesa. O pai de Brian, um apaixonado pelos clássicos, ouvia muita música em casa. Brian se encantou com o som do violino e quis ter aulas, só que o preço para isso foi se comportar bem. Jasper era rodeado de pessoas que ouviam música o tempo todo e de todo tipo, e a paixão dele não era especificamente por viola, mas por música como um todo. Já Eddie é filho de músicos e inicialmente queria tocar contrabaixo, mas era pequenino quando começou, tinha 4 anos. Então o fizeram começar pelo cello, que é menor, e ele nunca mais largou.


Mas o que foi que aconteceu nessa semana? O que foi que eles fizeram de tão especial? Reuni alguns dos ensinamentos aqui:

Para começar, a postura. Várias vezes os alunos perguntaram sobre postura e os quatro estudantes da Juilliard School of Music partem do mesmo princípio: seu corpo deve se movimentar da forma mais orgânica possível. Observe como estão suas mãos quando não estão fazendo nada, quando o braço está largado ao lado do corpo. Esse é o ponto de partida, as mãos tanto no instrumento quanto no arco devem estar basicamente nessa forma e com essa sensação de leveza.

O aquecimento e o som. Jennifer ensinou a tocar corda solta usando o arco inteiro, contando 4 tempos por arco, buscando o som mais bonito que conseguir, com peso, mas sem apertar. Fazer isso em cada uma das cordas.
Na produção do som com arco existem 3 elementos que se equilibram: ponto de contato (em que lugar entre o cavalete e o espelho o arco vai passar?), velocidade de arco (que também é quantidade de arco) e peso (soltar o braço, e não espremer o arco na corda). A dosagem desses 3 ingredientes é que dá o som que você quer. 
É dessa forma também que se faz as dinâmicas, pois elas não são apenas mudança de peso, mas dos outros elementos também. Por exemplo, tocar mais piano apenas usando menos arco. Por isso a importância de estudar corda solta, para aprender a lidar com tudo isso.
E deu para ver que os alunos da Juilliard fazem isso também. Quando foram aquecer para se apresentar no Polo Arujá, cada um deles começou fazendo cordas soltas devagar, seguido de escalas lentas, prestando bastante atenção ao que estavam fazendo.

Para a afinação, tem esse processo que o Eddie ensinou, que ajuda a diminuir a diferença entre o que você quer tocar (o afinado) e o que você acaba tocando (o desafinado). 
Antes de mais nada é preciso saber o que se quer ouvir, ter a nota na cabeça. Isto se chama ouvido interno. Uma das coisas que mais ajuda nisso é cantar. Esse processo pode ser feito nota a nota: 
- Tenha a nota na cabeça.
- Toque.
- Ouça e analise: caiu afinado? Se não, desafinou para cima ou para baixo? Quanto? Saiba sua tendência.
- Leve o dedo ou a mão até a nota afinada e entenda onde é.
- Tire a mão do instrumento.
- Repita o processo tendo em mente o que aconteceu na vez anterior.
Aprender onde as notas afinadas ficam no instrumento demora alguns anos, é bom ter paciência consigo mesmo a saber que é um processo longo. Eddie disse que demorou uns 10 anos.

Para trabalhar o ritmo, é necessário estudar sem o instrumento primeiro. O ritmo acontece internamente, se sente no peito. Para isso estude a parte batendo com as mãos o andamento (como um metrônomo) e cantando o ritmo da sua parte com todas as dinâmicas e frases. Várias vezes. Em muitos casos, subdividir é um ótimo exercício e ajuda a entender o que acontece ritmicamente.
Outras coisas que ajudam muito a tocar com bom ritmo:
- Ter o hábito de sempre ter os olhos um pouco para a frente na partitura, para evitar ser pego de surpresa. 
- Planejar e estudar o uso do arco (onde eu preciso estar com o arco quando chega essa parte? Quanto de arco eu preciso para tocar essa nota? Aqui o arco tem que ir bem devagar… ).
- Ouvir muito atentamente os outros naipes. O ritmo deles está sempre ligado ao seu, seja junto, seja encaixando. Ouça muito, saiba o que os outros tocam.

Spiccato, arco pulado. Esse é um golpe de arco que Jennifer ensinou da seguinte forma: estude em andamento lento, com arco na corda sem tentar fazer ele pular. Use muito pouco arco. Acelere aos poucos com o metrônomo, e lembre-se: não force o arco a pular. Deixe o braço solto, pesado e use sempre pouco arco. Num determinado momento ele vai começar a pular sozinho com a velocidade.


Como tocar acompanhando solista: uma das principais coisas que muda quando tem solista é a dinâmica. Os músicos da orquestra têm que tocar sempre conseguindo ouvir o solista. A dinâmica se torna muito mais uma atmosfera do que uma indicação de volume. Sobretudo em mezzo forte e forte, o som tem só "jeito" de forte, com seu tipo de som e articulação, e não "volume" forte. Basicamente: se você não está ouvindo o solista, tem que tocar mais piano.

Exercício de confiança. O Jasper ensinou um ótimo exercício para ganhar confiança tocando. Fique na frente dos teus colegas, de preferência de pé, e toque uma corda solta. Toque ela ininterruptamente até ela soar do jeito que você quer, um som cheio de beleza, e sem medo. Quando isso acontecer, aí você pode parar. Você vai notar que o som de cada pessoa é diferente, único. Cada um tem sua própria beleza.

Use seus sentidos. Existe uma tendência a usar somente os olhos, e os olhos estão sempre colados na partitura.
Use seus olhos para olhar sua partitura antecipadamente, ver seu companheiro de estante, seu naipe, seu chefe de naipe, os outros naipes, o regente. 
Use seus ouvidos para se ouvir, ouvir o companheiro de estante, seu naipe, os outros naipes, ouça as diferentes camadas de som. 
Use o tato para sentir seu corpo, o instrumento nas suas mãos, para sacar os outros músicos.
Dica: anote na partitura quem você tem que ouvir nos diferentes momentos.

Estudar em casa sem o instrumento. Use a visualização, se imaginar tocando é uma forma poderosa de preparação. O professor do Jasper o fazia cantar enquanto fingia que estava tocando, isso na aula mesmo. A mãe da Jennifer dizia para ela estudar vibrato no próprio braço, ou estudar a pegada do arco num garfo. 
Coisas que se pode fazer para estudar em casa sem o instrumento:
- Levar a partitura para casa e se comprometer a cuidar dela e leva-la no próximo ensaio/aula
- Estudar o ritmo como descrito acima
- Cantar a música com as alturas de notas, criando ouvido interno
- Cantar visualizando você mesmo tocando aquela música (com todos os detalhes de mão esquerda, articulação e distribuição de arco)
- Cantar fazendo o gesto imitando tocar (com todos os detalhes de mão esquerda, articulação e distribuição de arco)

Por fim: façam perguntas. Façam perguntas, de todos os tipos, em todas as situações. 
Para si mesmos durante o estudo: qual parte do arco é melhor aqui? Qual era o exercício para melhorar isso? Por que não está saindo? O que foi que me ensinaram no ensaio? Como eu quero que isso soe? 
Para si mesmo durante um ensaio: como o chefe de naipe está fazendo? Com qual outro naipe eu toco? O que a gente toca é a melodia ou acompanhamento? Ou outra coisa? 
E mesmo para os professores: como posso melhorar isso? O que acontece aqui? Como eu estudo tal coisa?


Todo o tempo os 4 convidados estavam tocando junto com a orquestra, sentados nas primeiras estantes. Foi uma semana intensa e maravilhosa de aprendizado, ficou muita coisa boa na memória de todas as pessoas envolvidas. E esses exercícios podem ser usados por qualquer músico, o tempo todo. 

Eddie, Jasper, Brian, Jennifer e eu.

Descobri ainda que os quatro são alunos de Noa Kageyama, na Juilliard! Ele ensina a matéria “Melhora do desempenho para músicos”, sobre psicologia da performance. Noa escreve o blog e site The Bulletproof Musician que eu traduzo aqui para o blog Papo de Violinista

Quando o mencionei, a reação dos 4 americanos foi de muito carinho! Também perguntei como eram as aulas dele lá em Nova York e disseram que são ótimas, que tem muita performance, que eles tocam bastante. Jenifer disse que seu exercício preferido é o Centering e uma das práticas é fazê-lo na frente de toda a classe. Também adoro o Centering e já traduzi esse post, está aqui.





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Texto, vídeos e demais fotos por Helena Piccazio.

Agradecimentos aos 4 integrantes do quarteto da Juilliard, a Paulo Martins e ao Guri.



2 comentários:

  1. nunca me senti tão privilegiada por poder passar uma semana inteira com a orquestra linda e professores regente e o pessoal da Juilliard, todos colaborando em prol da música ♥
    muita saudade dessa semana

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