10/07/2014

3 RAZÕES PELAS QUAIS OS REMÉDIOS PODEM ESTAR ATRASANDO SUA VIDA



por Dr. Noa Kageyama, originalmente publicado no blog do site The Bulletproof Musician
3 REASONS WHY BETA BLOCKERS COULD ULTIMATELY BE HOLDING YOU BACK

Eu li argumentos convincentes a favor e contra o uso de remédios betabloqueadores em artes performáticas e posso entender por que muitos no campo têm sentimentos fortes em ambas as direções sobre seu uso (aqui está um ótimo artigo do NY Times, outro aqui, mais um aqui, e aqui).

Para constar, eu não sou necessariamente contra o uso de betabloqueadores.

Eu só não acho que você precise deles.

Na verdade, se o seu objetivo é tocar o seu melhor, betabloqueadores provavelmente irão te segurar.

Como pode ser isso? Antes de ir pra esse assunto, vamos voltar um pouco e rever algumas informações de fundo.

O QUE SÃO BETABLOQUEADORES?



Betabloqueadores como o Inderal* são antagonistas beta-adrenérgicos, ou uma classe de medicamentos que bloqueiam a resposta fisiológica normal do organismo ao estresse. Pense na última vez que quase sofreu um acidente na autoestrada, foi a um primeiro encontro, ou teve um teste importante. O que você se lembra de sentir, fisicamente? Coração batendo? Sentindo como se não pudesse respirar? Músculos retesando e tremendo? Talvez até mesmo as mãos frias e úmidas?

Essas reações são parte da resposta do sistema nervoso simpático, muitas vezes chamada de resposta "fight or flight" (encare ou fuja). Essencialmente, toda vez que você se depara com uma situação estressante, nova, ou desafiadora, um alarme dispara no seu corpo e todos os sistemas relacionados à força e energia são ligados, e todos os outros sistemas não essenciais (sistema imunológico, digestivo, reprodutivo, os processos de crescimento, etc.) desligam temporariamente. Esta é uma ótima resposta de sobrevivência se você precisar combater ou fugir de um urso bravo, mas vai ser difícil tocar um super-teste se você não souber como canalizar adequadamente toda essa força e energia extras.

É aí que entram os betabloqueadores - eles vão bloquear os sintomas fisiológicos e minimizar o coração batendo forte, os tremores, o suor frio, etc.

"Bom, isso soa loucamente incrível!", você diz. "Como isso poderia ser ruim?"

Aqui estão algumas coisas para manter em mente.

1: OS TRÊS COMPONENTES DA ANSIEDADE DA PERFORMANCE

Você deve se lembrar por este artigo que a ansiedade da performance (ou medo do palco) consiste em não apenas um, mas três elementos.

1) Efeitos físicos

2) Efeitos mentais

3) Efeitos emocionais

Enquanto os betabloqueadores efetivamente miram nos efeitos físicos, os efeitos mentais e emocionais (como questões de foco e concentração, auto-dúvida, auto-crítica, excesso de análise, brancos de memória e sentimentos de pânico) não são diretamente abordados pelos betabloqueadores. Embora nós tendamos a nos preocupar com os efeitos físicos da ansiedade, há estudos que sugerem que os componentes mentais e emocionais da ansiedade da performance são mais culpados por performances pobres do que os elementos físicos.

Dito de outra forma, a pesquisa sugere que, no fim das contas, o estado mental/emocional tem um impacto maior sobre a qualidade da performance do que o estado físico - ainda sim betabloqueadores apenas miram nos aspectos físicos da ansiedade - apenas 1/3 da equação.

Apesar do que se ouve de pessoas jurando que eles funcionam, e até mesmo do que você lê na imprensa popular, o júri ainda não definiu quanto de impacto esses remédios têm sobre os aspectos significativos da performance. A maioria das evidências que apoiam o seu uso é boato, assim como muitos dos estudos controlados que investigam os betabloqueadores e a qualidade do desempenho musical não conseguem fornecer evidências conclusivas favoráveis à sua utilização mais generalizada.

2: MAIS CALMO NÃO É NECESSARIAMENTE MELHOR

Tem outra coisa para manter em mente.

Betabloqueadores podem ajudá-lo a se sentir mais calmo e fisicamente mais confortável durante a execução, mas estar mais calmo e confortável não necessariamente ajuda a tocar o seu melhor.

Cada um de nós tem uma faixa única de ansiedade no qual realizamos o nosso melhor. Alguns vão tocar melhor quando a ansiedade é bastante baixa. Outros, acredite ou não, vão tocar o seu melhor quando a ansiedade é moderada ou mesmo alta. Vários estudos descobriram que as faixas ideais de ansiedade estão surpreendentemente bem distribuídas entre níveis baixo, médio e alto. Em outras palavras, tem gente que vai tocar o seu melhor muito ansioso – gostando de se sentir assim ou não.

3: DESEMPENHO MÁXIMO REQUER UMA TREMENDA QUANTIDADE DE ENERGIA

Betabloqueadores também te livram de uma fonte dinâmica de energia. Desempenho máximo - aqueles raros momentos em que tudo apenas "clica" e sua performance é verdadeiramente inspirada - requer intensa concentração, foco e energia. Quando você está tocando sozinho na sala de estudo, a energia que alimenta o desempenho máximo não está disponível para você. É só quando você entra no palco e a adrenalina bate que você tem acesso a essa energia.

Imagine por um momento que você tem dois carros na garagem - uma Ferrari e uma mini van. Se você quisesse ir às compras no supermercado, você provavelmente tiraria a mini van, certo? Mas se você quisesse fazer um passeio na Autobahn alemã ou alguma corrida de autocross, quantos de vocês diriam "Bem, a Ferrari vai muito rápido e acelera muito rápido, então eu vou levar a mini van." Tá de brincadeira? Sem chance, certo? O problema não é a potência e a velocidade da Ferrari, mas sua inexperiência em dirigir tão rápido e de forma agressiva. Você se lembra da primeira vez que dirigiu um carro - quando ir a 80 km/h na estrada parecia insanamente rápido? Lembro-me de quando comecei a dirigir o carro dos meus pais, me senti como um piloto fora de controle até pegar o jeito.

Aqui está outro exemplo.

Pense na diferença entre as gravações de estúdio e apresentações ao vivo. Gravações de estúdio tendem a ser limpas, controladas e de um alto nível de qualidade técnica. Performances ao vivo são muitas vezes tecnicamente inferiores, mas muito mais emocionantes, dinâmicas e inspiradoras. Você tende a sentir uma apresentação ao vivo mais do que uma gravação, certo? Há uma razão pela qual muitos preferem apresentações ao vivo, seja ela erudita, de jazz ou rock. Quando o artista está disposto a dar tudo de si e não apenas tocar seguro, as performances podem ser inspiradoras e eletrizantes.

Que emocionante é uma partida de futebol (americano) onde cada jogada é ou um passe curto ou correr pelo meio? Há uma razão por que os fãs estão entusiasmados com o passe Ave Maria, quando na última chance possível do jogo um jogador lança uma bola que voa por meio campo até chegar num outro que está pertinho da linha final pra completar a jogada. O equivalente brasileiro seria um gol feito do meio do campo aos 47 do segundo tempo pra ganhar de virada. As pessoas não são movidas pelo seguro. Seguro não é inspirador. As pessoas se animam quando vêem e ouvem você ultrapassar o seu limite. Sim, às vezes você vai cometer um erro e quebrar a cara, mas mais frequentemente, você terá sucesso e vai deslumbrar, inspirar e mover o ouvinte em um nível emocional mais significativo.

POR QUE ALGUMAS PESSOAS JURAM QUE BETABLOQUEADORES FUNCIONAM?

Existem várias possibilidades.

1. Efeito placebo. Há uma velha regra de ouro, afirmando que cerca de 1/3 das pessoas que tentam qualquer tratamento vai responder favoravelmente, ele funcionando ou não. Então, em média, você pode esperar que 1 em cada 3 pessoas que experimenta betabloqueadores diga que funciona para eles.

2. Reduz distrações. Para aqueles que têm dificuldade em focar além dos efeitos físicos, betabloqueadores podem ser uma maneira de reduzir o número de distrações para lidar durante as apresentações, o que então poderia ser indiretamente traduzido em melhores performances.

3. Não sei mais o que fazer. Para os indivíduos que estão debilitados por seus nervos, e para quem qualquer coisa é melhor do que nada, betabloqueadores podem parecer uma dádiva de Deus. No entanto, ao longo do tempo, podem perceber que não estão tocando o seu melhor. Eles estão definitivamente tocando melhor, e talvez até num nível bastante elevado, mas não estão realmente empurrando os limites de sua capacidade.

SE BETABLOQUEADORES NÃO SÃO A RESPOSTA, O QUE É?

A ansiedade da performance é complexa. Não há solução rápida e fácil ou pílula mágica que mude a forma como você toca e responde à pressão da noite pro dia. No entanto, existem muitas estratégias e habilidades que você pode aprender e integrar aos seus hábitos de estudo e performance, que quando dominadas e usadas em conjunto, vão realmente ajudar a levar teu desempenho a um nível inteiramente novo. Não só você vai se encontrar tocando num nível superior, mas provavelmente vai se sentir de forma diferente sobre o ato de tocar, ao ponto de não ver a hora da adrenalina chegar, dando-lhe as boas-vindas.

Acha difícil de acreditar? Bem, é como aprender um novo repertório. Dê-lhe algum tempo e estudo... você vai ver.

Não há uma única cura para tudo, mas uma habilidade muito útil é uma técnica chamada Centering (centralização), desenvolvida pelo psicólogo do esporte Robert Nideffer na década de 70 e adaptada pelo Dr. Don Greene, usada por artistas, atletas olímpicos, executivos, equipes da SWAT, profissionais médicos e pessoas em muitos outros campos profissionais de alta pressão para acalmar a mente, aumentar a concentração e foco, e ter maior controle sobre os efeitos físicos da ansiedade da performance.

É uma seqüência específica de elementos psicológicos e habilidades fisiológicas que, quando você se entender com isso, vai ajudá-lo a entrar na "zona" com cada vez mais regularidade. Quando eu peguei o jeito do Centering, eu descobri que poderia aparecer para um concerto (e uma vez, mesmo uma competição internacional) menos preparado do que eu deveria, mas ainda sim me sentir muito no controle, e tocar muito melhor do que eu tinha direito, dado o meu nível de preparação.

Qualquer pessoa pode aprender a tocar o seu melhor sob pressão e superar a ansiedade da performance? Eu acredito que sim, mas uma coisa é certa. Apesar de toda a controvérsia, os betabloqueadores não vão desaparecer tão cedo.
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Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ser convidado das principais instituições de ensino de música nos EUA, ensinando músicos como tocar o seu melhor sob pressão através de aulas ao vivo, treinos e um curso on-line.

Tradução autorizada, por Helena Piccazio.
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* O betabloqueador mais usado é o propanolol, comercialmente conhecido como Inderal. Aqui está um link com a bula. É uma leitura interessante, já que esse tipo de remédio é feito para pessoas com problemas cardíacos e tem diversas restrições e efeitos colaterais. As dosagens tomadas por músicos geralmente são muito baixas para que haja alguma consequência física negativa, mas é sempre bom saber.

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