10/06/2014

O QUE É NERVOSISMO PARA TOCAR, DE VERDADE?

por Dr. Noa Kageyama, originalmente publicado no blog do site The Bulletproof Musician
WHAT IS PERFORMANCE ANXIETY, REALLY?



Xadrez de Bruxo
Harry Potter e a Pedra Filosofal, filme da Warner Bros. Studios.


Quando eu estava crescendo, meu violinista preferido era Itzhak Perlman. Então quando eu recentemente assisti uma masterclass dele, pode apostar que eu absorvi cada pedacinho de conselho que ele tinha a oferecer. Num certo ponto perguntaram quais seus pensamentos sobre como lidar melhor com ansiedade da performance, e a sua resposta (acompanhada de seu humor característico) foi “conheça seu inimigo”. Em outras palavras: entender com antecedência como os seus nervos atacam, para que você possa descobrir o que funciona e o que não na sala de estudos, ao invés de tentar ajustar no meio da apresentação ou audição (quando já tem pressão suficiente).

Me parece um grande conselho.

Então vamos conhecer nosso inimigo um pouco melhor, podemos?

O QUE É A ANSIEDADE DA PERFORMANCE?

Há uma grande quantidade de palavras por aí que são usadas em intercâmbio com ansiedade da performance. Você provavelmente encontrou termos como medo do palco, a ansiedade do desempenho musical, stress, excitação, antecipação da performance, energia, nervoso, e assim por diante.

A verdade é que alguns desses termos tecnicamente significam sim coisas diferentes. Mas isso é assunto para outro dia. Vamos apenas focar no conceito básico de “ansiedade”.

Eis aqui uma definição:

“Um estado emocional negativo com sensações de nervoso, preocupação e apreensão associados à ativação ou excitação do corpo”.

De acordo com essa definição (e essa é uma boa), ansiedade tem 3 partes – efeitos físicos, efeitos mentais e efeitos emocionais.

OS TRÊS COMPONENTES DA ANSIEDADE

Vamos dar uma olhada nos 3 componentes da ansiedade.

Ansiedade somática é a sua resposta física a uma situação. Coração batendo forte no peito, pressão arterial sobe, você começa a respirar mais rapidamente e superficialmente, os músculos ficam tensos, mãos frias e úmidas, e assim por diante.

Ansiedade cognitiva é a sua resposta mental a uma situação. Um aumento na auto-dúvida, preocupações, pensamentos e imagens de fracasso, perda de foco, brancos, etc.

Ansiedade afetiva é sua resposta emocional a uma situação. Você pode sentir uma sensação de medo, pânico e apreensão sobre a situação, por exemplo.

Compreender este modelo tripartite de ansiedade é importante porque significa que há três alvos separados que afetam nossa capacidade de tocar bem sob pressão. Claro que os três estão inter-relacionados, mas você pode começar a ver porque não podemos simplesmente mirar em um só e esperar que tudo melhore junto.

OS DOIS TIPOS DE ANSIEDADE

Para complicar ainda mais, há dois tipos de ansiedade – ansiedade-estado e ansiedade-traço. Você também pode pensar nisso como ansiedade situacional versus ansiedade caracterológica. Em outras palavras, a ansiedade-estado é o quão estressante você percebe uma situação, enquanto ansiedade-traço é quão estressado você tende a ser sobre tudo.

Por exemplo, ficar nervoso sobre um teste importante seria ansiedade-estado. Ficar nervoso para dirigir, conhecer gente nova, experimentar novas comidas, ir a lugares desconhecidos, ir bem na escola/trabalho, namorar e tudo o mais na vida, é coisa de quem tem ansiedade-traço alta. É apenas da personalidade da pessoa ficar estressado e ansioso em geral.

Eu já trabalhei com pessoas preocupadas e estressadas na maioria das áreas de sua vida, mas que eram absolutamente confiantes no palco. Por outro lado, também já trabalhei com aqueles que eram uma bagunça nervosa no palco, mas completamente descontraídos e calmos fora do palco. Freqüentemente, porém, acho que a hesitação ou auto-dúvida de um músico no palco se reflete em algum grau de hesitação e dúvida fora do palco. Tais músicos tendem a duvidar de si mesmos e lhes falta confiança, focam muito em como os outros os vêem, e têm dificuldade em acreditar em si mesmos.

Eu conheci um jovem e talentoso instrumentista de cordas que era meio tímido socialmente, hesitava para chegar em novas pessoas, e ficava bem quieto em ambientes sociais maiores. Quando lhe pediram para ser mais aventureiro na sua forma de tocar, seja na dinâmica, tempo, ou articulação, ele tinha que se esforçar muito para fazer qualquer grande mudança - não porque ele era incapaz tecnicamente, mas porque tinha medo de cometer um erro. Esta hesitação aparecia também nas performances, quanto mais nervoso ficava, mais "seguro" e hesitante seu desempenho se tornava.

Foi importante para essa pessoa aprender a construir sua coragem, ser capaz de exagerar e ir quase longe demais com seus gestos musicais, a fim de equilibrar sua tendência natural a se retirar ao seu esconderijo no palco. Fazer o aluno ser mais ousado no resto de sua vida também foi tremendamente útil, assim como a sua zona de conforto se tornou maior (por experimentar novas comidas, ir a novos lugares e conhecer novas pessoas, por exemplo), a sua confiança e coragem para experimentar coisas novas em música também se expandiram.

COMO ISSO SE RELACIONA COM MEU DESEMPENHO?

Assim como é bom entender a mecânica da produção de som do seu instrumento para conseguir produzir o exato som que você quer, de acordo com sua exigência, eu sinto que é importante para os músicos entender o que é a ansiedade de performance e como eles respondem à pressão, para que possam começar a desenvolver uma "caixa de ferramentas" eficaz e personalizada de habilidades e estratégias que lhes permitam lidar mesmo com a mais estressante das situações.

Por exemplo, o que você pode fazer para lidar melhor com os efeitos físicos da ansiedade? Bastante! Aprenda a relaxar os músculos-chave sob pressão; descubra os dedilhados mais confiáveis, que provavelmente permanecerão consistentes mesmo quando você está nervoso; acostume-se a tocar mesmo com as mãos frias; e melhore em tocar bem mesmo sob condições adversas.

Para combater os efeitos mentais, você pode aprender a construir a sua confiança, aumentar a sua capacidade de se focar e se concentrar sob seu comando, ser capaz de aquietar sua mente, e ver/ouvir-se tocar perfeitamente em vez de ver/ouvir todos os seus medos dentro da sua cabeça te exaurindo.

Supere os efeitos emocionais aprendendo a ir em frente apesar do medo e abraçando adrenalina em vez de temê-la.

A ESTRATÉGIA DE TRÊS FRENTES

Tendo em conta que a ansiedade da performance irá te afetar fisicamente, mentalmente e emocionalmente, utilizando um abrangente ataque em três frentes lhe permitirá estar melhor preparado para toda a gama de efeitos que você vai sentir sob pressão.

Muitos cometem o erro de colocar muita ênfase em tentar não ficar nervoso. Em vez disso, foque em desenvolver uma resposta mais eficaz ao nervoso inevitável. Passe mais tempo praticando a apresentação, ao invés de praticar o estudo. O que quero dizer?

Dê uma corrida rápida em volta do quarteirão. Com o seu coração batendo forte e meio sem ar, você ainda pode acertar lindão o começo da música? Ligue a TV ou o rádio ao fundo - você ainda consegue se concentrar na peça? Se vista para um concerto e ligue a câmera de vídeo (pra você poder postar sua performance no YouTube). Permitindo-se apenas uma chance para isso - você pode tocar tudo perfeitamente logo na primeira vez?

Quais músculos ficam tensos sob pressão? O que acontece com o seu ouvido ou afinação - você tende a ficar baixo ou alto? O que acontece com o seu senso de tempo - você corre ou atrasa? Onde você tende a ter lapsos de memória?

"Conheça seu inimigo" - um bom conselho, não?

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Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ministrar palestras e seminários pelas principais instituições de ensino de música nos EUA.

Tradução autorizada, por Helena Piccazio.

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