22/07/2019

PORQUE O PROGRESSO QUE VOCÊ FAZ NA SALA DE ESTUDO PARECE SUMIR NO DIA SEGUINTE

por Christine Carter com introdução de Noa Kageyama, publicado originalmente no blog do site Bulletproof Musician
Imagem encontrada aqui
Você já sentiu frustração ao pegar uma passagem difícil, trabalhar um pouco nela e fazer com que soe bem, mas no dia seguinte descobrir que a passagem retrocedeu à primeira fase? Que nada realmente mudou? E apesar de ter soado bem ontem, agora soa tão mal quanto antes de você estuda-la?

A maioria de nós consegue viver com "dois passos para frente, um passo para trás". É o "dois passos para frente, dois passos para trás" que faz a gente querer arrancar os cabelos.

O que fazer então?

Será que devemos só continuar assim e aprender a ser mais pacientes? Ou será que existe uma maneira diferente de estudar que pode fazer essas melhorias serem mais permanentes?

Christine Carter entra em cena

Christine Carter é clarinetista e professora assistente na Universidade Memorial em St. John's, no Canadá. Ela fez sua dissertação de doutorado sobre o efeito de interferência contextual - um fenômeno que pode ajudar o seu progresso diário no estudo a se manter de verdade, então neste post ela compartilha algumas sugestões sobre como podemos aproveitar ao máximo nosso tempo de estudo.

Agora é com você, Christine!

POR QUE O PROGRESSO QUE VOCÊ FAZ NA SALA DE ESTUDO PARECE SUMIR NO DIA SEGUINTE



Aproveitando ao máximo suas horas de estudo:

Uma mudança simples que pode aumentar drasticamente sua produtividade

Quando se trata de estudar, muitas vezes pensamos em termos de tempo: quantas horas são necessárias para alcançar um progresso ideal? Enquanto esta é uma preocupação válida, uma questão mais importante é como podemos fazer cada hora contar. Qual é a maneira mais eficiente de trabalhar para que o que foi estudado hoje permaneça amanhã? Não há nada mais frustrante do que passar um dia estudando pra caramba só para no dia seguinte ter que voltar ao mesmo ponto de partida. Infelizmente, nosso atual modelo de estudo está nos preparando para essa decepção diária.

Repetição, bebês e exames cerebrais

Logo no início do nosso treinamento musical nos ensinam a importância da repetição. Quantas vezes nos disseram para “tocar cada passagem dez vezes com perfeição antes de seguir em frente”? O desafio desse conselho bem-intencionado é que ele não está alinhado com o modo como nosso cérebro funciona. Nós somos programados para prestar atenção à mudança, não à repetição. Essa programação já pode ser observada nos bebês em fase pré-verbal. Mostre a um bebê o mesmo objeto repetidas vezes e ele gradualmente deixa de prestar atenção através de um processo chamado habituação. Mude de objeto e a atenção volta com força total. O mesmo vale para adultos. As imagens da ressonância magnética funcional demonstraram que há cada vez menos ativação cerebral quando os estímulos são repetidos. O fato é que informações repetidas não recebem a mesma quantidade de processamento que as informações novas. E em algum nível, todos nós sabemos disso. Repetição constante é chata e esse tédio está nos dizendo que nossos cérebros não estão envolvidos. Mas, em vez de escutar essa voz instintiva da razão, nos culpamos pela nossa falta de atenção e gritamos para nós mesmos “foco!”. Por sorte, há uma alternativa.

Cronogramas de estudo em blocos

No campo da psicologia do esporte, a repetição contínua mencionada acima é chamada de prática em blocos. Em um cronograma de prática em blocos, todas as repetições de uma atividade são concluídas antes de passar para uma segunda atividade. Por exemplo, se um jogador de beisebol deve rebater 15 bolas rápidas, 15 bolas curvas e 15 bolas com efeito durante a prática, ele completaria todas as bolas rápidas antes de ir para as curvas e assim por diante. Isso se assemelha muito ao modo como a maioria dos músicos estuda, especialmente quando se trata de passagens difíceis. Trabalhamos em um trecho por um determinado período de tempo e depois passamos para o próximo trecho até que todas as tarefas do dia estejam concluídas. Uma abordagem em blocos parece lógica. Memória muscular requer repetição e por que não faríamos todas as repetições seguidas? Afinal, se estamos trabalhando em uma passagem difícil, ela fica muito mais confortável depois de 10 minutos de estudo. É precisamente essa sensação de conforto e melhora que reforça nossa confiança no estudo em blocos. O problema com esse tipo de prática, no entanto, é que os resultados positivos que sentimos hoje no estudo não levam ao melhor aprendizado a longo prazo amanhã. Estudar de uma maneira que otimiza o desempenho na sala de estudo não otimiza o aprendizado.

Cronogramas de estudo aleatório

E se pegássemos cada bloco de estudo e suas tarefas específicas e os dividíssemos em bloquinhos menores para cada tarefa? No exemplo do beisebol acima, os jogadores poderiam rebater os três tipos diferentes de arremesso alternadamente, em vez de fazer todos de um tipo de uma vez só. Duas opções de divisão são: ordem repetitiva (por exemplo, abc abc abc…) ou ordem arbitrária (por exemplo, acb cba bca…). Em ambos os casos o resultado líquido de rebatidas será 15 para cada tipo de arremesso, o mesmo número do cronograma da prática em blocos. A única variável que muda é a ordem em que os arremessos são praticados. Esse tipo de plano entrelaçado de estudo é chamado de estudo aleatório (também conhecido como estudo intercalado).

Em um cronograma de estudo aleatório, o músico tem que reiniciar tarefas diferentes continuamente. Como os começos são sempre a parte mais difícil, não será tão confortável quanto praticar a mesma coisa sem parar. Mas esse desafio está no centro do motivo pelo qual o estudo aleatório é mais eficaz. Quando voltamos a uma tarefa após uma tarefa intercalada, nosso cérebro deve reconstruir o plano de ação para o que estamos prestes a fazer. E é neste momento de reconstrução que nossos cérebros estão mais ativos. Mais atividade mental leva a um maior aprendizado a longo prazo. Na programação em blocos citada acima, os jogadores de beisebol só devem construir o plano de ação para cada tipo de arremesso uma vez, no início de cada bloco. No cronograma aleatório eles devem construir e depois reconstruir o plano de ação 15 vezes, uma vez para cada arremesso. Embora o cronograma em blocos possa produzir um desempenho superior durante a prática, estudo após estudo mostram que a prática aleatória produz consistentemente uma maior retenção um dia ou mais após a prática (a quantidade de coisas realmente aprendidas). Esse fenômeno é chamado de efeito de interferência contextual.

Quão melhor é o estudo aleatório?

Acontece que o exemplo hipotético de beisebol usado acima não é hipotético. Em um estudo de 1994 realizado por Hall, Domingues e Cavazos, jogadores de beisebol de elite foram designados para os cronogramas de prática em blocos ou aleatórios discutidos acima. Depois de 12 sessões de treinos, os jogadores no treino aleatório rebateram 57% a mais do que no começo. O grupo do treino em blocos rebateu apenas 25% a mais de arremessos, o que significa que o aleatório foi mais efetivo, mais que o dobro, embora os dois grupos tenham rebatido o mesmo número de arremessos durante o treino. Resultados semelhantes foram encontrados em uma ampla variedade de campos. Mais pertinente aos nossos interesses como músicos, minha pesquisa preliminar no Brain and Mind Institute (Instituto Cérebro e Mente) no Canadá fornece suporte empírico para o uso de um cronograma de estudo aleatório na música. Não apenas esta pesquisa sugere que o cronograma aleatório é mais eficaz do que o em blocos para estudar passagens musicais, mas entrevistas com participantes também revelam que a prática aleatória tem efeitos positivos em fatores como estabelecer metas e ter foco.

Como usar um cronograma aleatório na sala de estudo

Ao invés de passar longos períodos de tempo ininterruptos martelando cada excerto ou trecho de uma peça, escolha algumas passagens que gostaria de trabalhar e se alterne entre elas. Se você quiser gastar um total de 30 minutos em um trecho específico, pratique em segmentos mais curtos, voltando continuamente a este trecho até atingir sua meta de 30 minutos. Faça experiências com durações de tempo. Se você está estudando trechos muito curtos, você consegue alternar entre eles em um ritmo mais rápido do que seria necessário para seções mais longas. Você pode usar um pequeno despertador (ou o timer do celular) para intervalos específicos de tempo ou alternar após cada repetição. Em seu nível mais básico, o estudo aleatório se parece com isso:



Praticar passagens em diferentes variações rítmicas é uma ótima maneira de introduzir interferência contextual em uma escala menor. Mas em vez de fazer todas as variações rítmicas em um trecho antes de passar para o próximo, faça uma variação no trecho A, uma no trecho B e retorne ao trecho A para uma segunda variação, etc. Técnica também pode ser intercalada no esquema aleatório, em vez de fazer tudo isso em um bloco longo. Um exemplo de uma sessão aleatória mais complicada pode ser algo como o que segue:



As permutações são infinitas e a divisão exata do tempo não é importante. O crucial é manter seu cérebro engajado variando o material. Mais engajamento significa que você ficará menos entediado, mais direcionado aos objetivos (você tem que estar se tem só 3 minutos para cumprir algo) e substancialmente mais produtivo. Mais importante ainda: quando voltar para a sala de estudo no dia seguinte, você pode começar de onde parou. Esse tipo de prática se mantém.

Recursos adicionais

Dr. Robert Bjork sobre os benefícios da prática intercalada em Go Cognitive (vídeo de 6 minutos).

Sobre a Dra. Christine Carter

Dr. Christine Carter é interessada em como os músicos podem ser mais eficazes no palco e no estudo. Ela conduziu pesquisas em vários laboratórios de neuroimagiologia (imagem cerebral) e psicologia musical e atualmente é professora assistente na Memorial University em St. John's, no Canadá.

Christine também é clarinetista em atividade. Suas performances a levaram por todo o mundo, do Carnegie Hall à Sydney Opera House. Ela completou seu Doutorado em Artes Musicais na Manhattan School of Music, onde lecionou no Laboratório de Madeiras (Woodwind Lab) por 4 anos e agora é Professora Assistente de Música na Memorial University no Canadá.

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Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ser convidado das principais instituições de ensino de música nos EUA, ensinando músicos como tocar o seu melhor sob pressão através de aulas ao vivo, treinos e um curso on-line.

Tradução autorizada, por Helena Piccazio.

2 comentários:

  1. Que interessante! Costumo me aquecer tocando cordas soltas, exercício pra vibrato & escalas. Dez minutos cada e sempre nessa ordem.
    Seu eu aderir o estudo aleatório estudaria nesse mesmo tempo, cinco minutos de corda solta e o restante o exercício de vibrato, então estudaria meus cinco minutos de escala ai retornaria pra corda solta?

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    1. Oi, tudo bem? Eu andava fazendo quase a mesma sequência que você, reli o artigo para traduzi-lo e resolvi estudar também a técnica em modo aleatório. Pego o que quero estudar e divido em pedaços menores, fica algo do tipo:
      cordas soltas 12 e 14 tempos nas 4 cordas/ vibrato na corda la/ Schradieck/ escalas/
      cordas soltas 16 e 18 tempos/ vibrato na corda mi/ Schradieck/ escalas/
      cordas soltas 20 tempos/ vibrato na corda re/ Schradieck/ escalas/
      algum golpe de arco/ vibrato na corda sol/ Schradieck/ escalas.
      Claro que cada um tem que ver o que funciona melhor para si, mas com essa aleatoriedade também estou completando essa parte técnica em menos tempo do que estava antes, em blocos.
      Espero ter ajudado!

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