01/06/2017

COMO FAZER DO NERVOSISMO UMA COISA BOA

por Dr. Noa Kageyama, publicado originalmente no blog do site The Bulletproof Musician 
Encontrei essa imagem aqui

Normalmente somos levados a crer que ficar "nervoso" é uma coisa ruim. De fato, a maioria dos conselhos que ouvi tinha como alvo a redução da ansiedade. Ao longo dos anos, tentei tudo o que podia para me livrar dos sentimentos desagradáveis ​​associados à ansiedade da performance. Tentei comer bananas, tomar chá de camomila, imaginar o público em roupas íntimas, ficar sem dormir, estudar mais, tomar vários suplementos e até mesmo tentar me convencer de que não importava como eu tocava. Nada disso, é claro, tirou meu nervoso, nem me ajudou a tocar melhor. 

Do meu trabalho com o psicólogo do esporte Dr. Don Greene, quando eu era um estudante de pós-graduação na Juilliard, e da minha própria formação de doutorado em psicologia da performance, eu vim a entender que a ansiedade em si não é o problema. O problema é que a maioria de nós nunca aprendeu a usar a adrenalina como vantagem.  Ao dizer a nós mesmos e aos nossos alunos "é só relaxar", estamos na verdade nos fazendo um desserviço, implicitamente confirmando que a ansiedade sentida é ruim e deve ser temida. Logo aprendi a dar as boas-vindas à descarga de adrenalina e usar essa energia para alimentar minhas performances, e para tocar com mais liberdade, convicção e confiança do que jamais imaginei ser possível. 

A grande questão, claro, é como você transforma a ansiedade de uma coisa ruim a uma coisa boa? Antes de falarmos sobre isso, primeiro precisamos entender alguns conceitos básicos sobre o que acontece na nossa mente sob estresse.

Cérebro esquerdo X Cérebro direito

Nossos cérebros podem ser pensados como sendo compostos por duas regiões básicas - o hemisfério esquerdo e o hemisfério direito. Admito que é uma super simplificação da imensa complexidade do nosso cérebro sugerir que os hemisférios esquerdo e direito são completamente independentes um do outro, mas este é um modelo muito eficaz quando se trata de compreender os estados mentais ideais para o desempenho. 

O pensamento do cérebro esquerdo está associado a palavras, números, lógica, análise, crítica, regras, detalhes, planejamento e julgamento. Por outro lado, o pensamento do cérebro direito está associado a sons, imagens, padrões, processo cinestésico ou sensorial, emoções, o panorama geral das coisas, associação livre, criatividade. 

Com base nessas informações, que modo de pensar parece melhor para um estudo eficaz? Você disse cérebro esquerdo? Correto! Agora, o modo que parece te levar a performances artísticas, dinâmicas e inspiradas? Lado direito do cérebro, exatamente! Infelizmente, muitas vezes fazemos o oposto. Na sala de estudo temos uma tendência a estudar um pouco sem pensar, apenas repetindo passagens mais e mais até que soem melhor, fazendo correções, mas quase inconscientemente. No entanto, assim que entramos no palco, tendemos a ser inundados pelo lado esquerdo do cérebro, seu pensamento super-analítico, crítica, planejamento excessivo, e assim por diante, o que só serve para levar a uma pré-ocupação com detalhes técnicos e uma incapacidade de tocar tão livremente e automaticamente quanto somos capazes. Você está familiarizado com a frase "paralisia por análise”? Isso é exatamente o que acontece quando sabemos que cada movimento e cada som está sob escrutínio de outras pessoas. O oposto deste estado paralisado é muitas vezes referido como "fluxo" ou "a zona", onde tudo parece apenas "clicar" do jeito certo e tocar é fácil, livre e sem esforço. 

Como é que saímos do cérebro esquerdo para ir ao cérebro direito e entrar no 
"fluxo?" Uma ferramenta muito eficaz se chama Centering.

Centering

Centering (Centralização) é o que os psicólogos do esporte chamam de uma rotina pré-performance. Ele foi projetado na década de 1970 pelo renomado psicólogo do esporte Dr. Robert Nideffer, e adaptado para artistas performáticos pelo psicólogo de esportes olímpicos Dr. Don Greene. Centering é um meio altamente eficaz de (a) canalizar seus nervos produtivamente e (b) direcionar o seu foco mesmo em situações extremas. Uma vez dominado, é muito rápido e eficaz, e irá assegurar que você comece cada apresentação com uma explosão (no bom sentido)!
Tem sete passos, cada um projetado especificamente para te levar cada vez mais próximo à quietude do cérebro direito, foco e equilíbrio, e afastá-lo de medos, dúvidas e autocrítica do cérebro esquerdo. 

Passo 1: Escolha o seu ponto focal 

Escolha um ponto fixo à distância, um cuja sensação seja cômoda. Este ponto pode ser na estante, no chão à sua frente, ou ao fundo do auditório, mas onde quer que seja, garanta que o seu ponto focal esteja abaixo do nível dos olhos. Um ponto focal ajuda a minimizar as distrações e evitar a tentação de envolver-se nos pensamentos do cérebro esquerdo. 

Passo 2: Formule sua Intenção Clara

Uma intenção clara é, em essência, uma afirmação de objetivo específico. O que você pretende fazer quando entrar no palco? Como exatamente você pretende soar? O que, precisamente, você pretende comunicar ao público? 

Use linguagem assertiva, afirmativa, como "Eu vou tocar brilhantemente, com paixão e contrastes dinâmicos claros", em oposição a "Espero tocar bem". 

Não use a palavra "não". Fazer isso só serve para colocar a imagem negativa na sua cabeça e gerar temores e dúvidas. Por exemplo, quando você diz para si mesmo: "Não erre a nota aguda", qual é a primeira imagem que vem à sua mente? Errando a nota aguda, certo? Que imagem vem à sua mente quando você diz a si mesmo: "Manda ver na nota aguda"? Aprenda a focar no que você quer, não o que você não quer. 

Passo 3: Respire conscientemente 

Uma das técnicas mais poderosas para reverter a resposta ao estresse envolve aprender respiração diafragmática. Quando estressados, nosso corpo tem uma tendência a ir para uma respiração rápida, rasa e de peito. Fazer isso nos mantém em modo de “Luta ou Fuga” (fight or flight mode). A respiração diafragmática é a forma mais biomecanicamente eficiente para respirar, e além disso leva a ativar o que é chamado de resposta do sistema nervoso parassimpático, que é antídoto do nosso corpo para o estado de luta ou fuga.

Passo 4: Escanear e liberar o excesso de tensão 

Uma das consequências mais prejudiciais do estresse da performance é a tensão muscular. Quando o nosso pensamento torna-se mais negativo, nossos músculos tendem a ficar mais enrijecidos e menos desenvoltos. E não apenas qualquer músculo, mas muitas vezes aqueles sobre os quais precisamos ter mais controle! 

Escaneie seus músculos da cabeça aos pés enquanto continua a respirar lenta e profundamente, um grupo muscular por vez, liberando a tensão na expiração. Tem um pequeno vídeo no YouTube que ilustra um exercício que testa sua capacidade de relaxar de verdade seus músculos sob comando. 

Se você desenvolver uma consciência mais aguda da tensão muscular mesmo na sala de estudo, e se tornar capaz de controlar o grau de tensão que você experimenta tocando, você será capaz de reter grande parte desta habilidade durante uma performance e vai se sentir muito mais no controle. 

Passo 5: Encontre o seu Centro 

Você está familiarizado com o conceito das artes marciais chamado de ki ou chi? Na filosofia oriental, chi é descrito como sendo a própria "força vital" ou energia de uma pessoa. Tem um lugar específico em nosso corpo onde a energia tende a se aglomerar, que é essencialmente nosso centro de gravidade. Se você já observou os movimentos de um grande mestre das artes marciais ou mesmo alguns atletas ou dançarinos, você vai notar uma presença, graça e equilíbrio neles, independentemente do seu tamanho ou dimensões físicas. Estar centrado não é apenas uma sensação muito calmante e tranquilizadora, mas o mero ato de procurar o centro vai acalmar a atividade do cérebro esquerdo. 

Passo 6: Repita sua indicação de processo 

Quando se está estressado, existe a tendência de se hiperconcentrar em detalhes minúsculos. Isto pode ser altamente desejável na sala de estudo, mas pode ser paralisante no palco. A solução é se concentrar em uma indicação do processo do lado direito do cérebro, em essência, uma lembrança do que soa, do que se sente, ou a imagem de produzir exatamente os sons que você deseja. 
Há duas maneiras possíveis de fazer isso. Um, você pode refletir e experimentar com palavras que indiquem o som/sentimento/imagens de produzir o som lindo, articulação limpa, ou afinação sólida que você deseja fazer soar. Alguns exemplos de tais palavras são: arcada suave, dedos leves, mudanças de posição uniformes, fluido, poderoso, calma, ou fácil. Não é a palavra que é importante, mas o som/sensação/imagem mental resultante de tocar exatamente do jeito que você quer que é a chave. 

Sendo assim, uma segunda maneira de fazer o Passo 6 é evitar completamente o uso de palavras e apenas ouvir, sentir, ou ver-se tocar exatamente como quer tocar. 

Passo 7: direcione sua energia 

Quando chegar a esta etapa, você terá feito a mudança para um estado mental mais calmo e focado, propício para realizar o seu melhor. Você terá saído do limite de seus nervos, e nesta última etapa você irá canalizar a energia restante em uma performance dinâmica e inspirada. Esta é a maneira como você usa a energia em vez de tentar se livrar dela. 

Faça uma rápida busca interna de toda a energia que você sente em seu corpo, e sinta-a se reunindo em seu centro. Eu sempre imaginei o meu centro e energia sendo um pouco como aquelas lâmpadas de plasma que são vendidas em lojas como The Sharper Image (dá um Google em "plasma lamp" se você não sabe do estou falando). Agora, direcione essa energia para cima, através de seu tronco e pescoço, para sua cabeça, e exploda-a através de seus olhos ou pela testa como um raio laser no ponto focal que você identificou na Etapa 1. Pense nesse feixe como um canal para a sua música e para a energia que vai transmitir a sua intenção clara para o público. 

Isto pode soar um pouco piegas para alguns, mas essa energia é real. Você já conheceu alguém incrivelmente intenso, que talvez até invada um pouquinho seu espaço pessoal, e olha para você tão intensamente que você se sente desconfortável e quase parece que essa pessoa pode olhar dentro da sua cabeça e ler seus pensamentos? Esse é o mesmo tipo de energia que eu estou falando. Em vez de relaxar ou tomar beta-bloqueadores para tentar se livrar da energia que a adrenalina te proporciona, você pode aprender a usá-la, canalizá-la para a sua performance, e levar o seu desempenho a um nível totalmente novo!

Praticando Centering

Quando você tentar fazer o Centering pela primeira vez, pode demorar alguns minutos para passar por todas as etapas. No entanto, se praticar isso por 10-15 minutos por dia, e persistir nisso, você vai começar a notar uma diferença em uma semana ou duas, e ver que pode centralizar em 5-10 segundos. Alguns notam a diferença em poucos dias. A chave, como para qualquer outra coisa, é a consistência e persistência. 

Muitos, se não todos, estes elementos podem ser compartilhados até mesmo com os alunos mais novos, eles ficando nervosos antes de performances ou não. Não como um meio de reduzir a ansiedade, mas como uma forma de melhorar o foco e clareza de intenções musicais. Muitos aspectos da centralização podem ser tremendamente úteis no estudo, para garantir que se permaneça focado na tarefa da vez (em vez de reforçar maus hábitos através da repetição sem sentido). 

Com um pouco de tempo e prática, tenho certeza que o Centering vai mudar a  sua abordagem para tocar e estudar, assim como aconteceu comigo e muitos outros que aprenderam nesse processo. 

Como diz o ditado, "Você não pode parar as ondas, mas você pode aprender a surfar." 

P. S.: Se você gostaria de mais ajuda para aprender a "surfar", confira Além do Estudo (Beyond Practicing) - um curso on-line de aprimoramento de desempenho que fornece um treinamento mais profundo em Centering e outras seis competências-chave que ajudarão você a se tornar o tipo de instrumentista que se dá bem quando a pressão está ligada. 

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Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ser convidado das principais instituições de ensino de música nos EUA, ensinando músicos como tocar o seu melhor sob pressão através de aulas ao vivo, treinos e um curso on-line.

Tradução autorizada, por Helena Piccazio.

1 comentário:

  1. Adorei!!! Corri procurar seu blog após ter assistido sua entrevista no canal Violino Didático. Parabéns 👏👏👏👏 Amei!Que fantástico sair do costumeiro e encarar a adrenalina como algo positivo durante um teste ou uma apresentação. Showww

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