03/07/2016

VOCÊ É INSUBSTITUÍVEL? [parte 2]

por Dr. Noa Kageyama, publicado originalmente no blog do site The Bulletproof Musician

Leia a parte 1 deste post aqui.

achei a foto aqui

Na parte 1 deste post eu sugeri que nós devemos, a nós mesmos e ao nosso público, uma resposta à pergunta “Por que alguém deveria pagar para me ouvir tocar?”. Eu também insinuei que todos nós somos capazes de respondê-la, encontrando nosso nicho e nos tornando
insubstituíveis. Naturalmente, isso nos leva à questão de como...



Como você se torna insubstituível?

Lembre-se da aula de Economia Básica e o conceito de oferta e demanda. O que cria valor? Eu não vou nem fingir que sei alguma coisa de economia, mas acho que a maioria concorda que a escassez é a chave para a criação de valor. Lembra como era difícil conseguir um Wii assim que saiu? As pessoas esperavam lá fora no frio congelante por horas (e muitas vezes saíam de mãos vazias), apenas pela oportunidade de comprar um.

O que faz um músico escasso?

Sim, eu sei que parece um começo de piada, mas com toda a seriedade, duas coisas vêm à mente.

Imaginação e coragem.

Imaginação

Suas idéias são um produto de quem você é, seus pensamentos, suas emoções, seus valores, sua perspectiva - tudo o que você já viu, sentiu e experimentou na vida. Isso te dá a matéria-prima necessária para criar algo que é pessoal, único e que só pode ter sido imaginado e criado por você.

Coragem

Coragem é o que permite que a sua imaginação veja a luz do dia, e tome forma no mundo físico. Eu posso ter uma idéia inovadora, mas se a minha ação sobre essa ideia falhar, ela nunca vai existir para outras pessoas verem ou ouvirem. Se eu tiver uma ideia super legal para um determinado pedaço da sonata que estou estudando, mas me preocupar com o que meu professor vai pensar, o que o público vai pensar, ou o que o crítico vai pensar, eu fico suscetível a produzir algo que não é sincero, genuíno ou verdadeiro para mim, mas em vez disso, o que eu acho que eles querem ouvir (que nunca é tão convincente para o ouvinte). Coragem significa se comprometer com a sua visão, e fazer o que é preciso para dar vida a ela.

O que podemos aprender a partir do iPad?

Você se lembra quando as primeiras fotos e vídeos sobre o iPad apareceram na internet? Lembram-se de quantos escritores e blogueiros previram que isso seria um enorme fracasso para a Apple? Talvez ainda seja muito cedo para ver que tipo de impacto o iPad terá sobre como usamos computadores, mas este é um exemplo do que é possível quando imaginação e coragem se cruzam.

Especificamente, o iPad representa a visão da Apple sobre o que o futuro da computação deve ser. Ninguém nunca lançou um produto como o iPad. Dessa forma os caras da Apple estão arriscando a pele de uma maneira muito pública. Muita gente gostaria de vê-los falhar, mas a Apple continua a apostar na inovação e no desenvolvimento de produtos que mudam a indústria, em vez de jogar seguro ou só para não perder. Imagine a coragem necessária para operar deste jeito.

Então como me torno uma cavilha?

Em termos práticos, tornar-se uma cavilha começa na sala de estudo (lembre-se o que é cavilha na parte 1 desse post). Já ouviu a frase “torne-o seu”? Isso significa realmente ter um novo olhar sobre a partitura, e não dar por garantido o que está lá. Isso significa esquecer todas as gravações que você já ouviu, e olhar para aquela informação com seus próprios olhos e ouvidos. Não toque as coisas de uma certa maneira só porque é assim que todo mundo toca, ou porque é “tradição” fazer assim.

Assim como o iPad é a visão da Apple sobre o que a computação deve ser, qual é a sua visão de como esta sonata, concerto ou trecho deve ser tocado? Depois de um olhar atento sobre a partitura, como essa peça deve soar, de acordo com você?

Seja corajoso, experimente, faça muito, faça muito pouco, faça o oposto do que parece fazer sentido, só para ver como soa. Pode soar horrível, mas levar a descobrir algo que soa brilhantemente, que de outra forma nunca teria te ocorrido. Certifique-se de que a sua decisão final é justificada pela partitura, é claro, mas - e isso é importante - comece por empurrar os limites. Exagere, faça maluquices, salte do precipício. Ouça como isso soa primeiro, só depois comece a puxar de volta aos domínios, quando for demais ou estiver na borda do inapropriado. Para achar o ponto certo, funciona bem melhor exagerar a dose e depois ir voltando; do que ir se rastejando até chegar lá, um passo mínimo por vez.

Subverta o Paradigma Dominante

Um dia eu e meu trio tivemos uma aula de música de câmara com o pianista Leon Fleisher, e ele nos pediu para ler a sua camiseta e dizer o que significava. Na camiseta estava impressa a frase “Subverta o paradigma dominante”. Essencialmente, ele nos estava dizendo que tínhamos tocado de forma genérica. Bonita talvez, e tecnicamente bem encaixada, mas genérica no sentido de que apenas seguíamos convenções e replicávamos o que tínhamos ouvido de várias gravações. Não era uma interpretação pessoal, e não tinha sido insuflada com quem éramos como indivíduos ou com nossos pensamentos e escolhas originais em relação à partitura.

Encontrando sua voz

Você já teve um encontro onde tinha a forte sensação de que a outra pessoa estava totalmente na sua, e não importa o que você dissesse, el@ só parecia gostar de você mais e mais? Você se lembra dessa sensação? Estar em uma situação onde você está livre para ser o seu eu verdadeiro, sem medo de julgamento ou rejeição, ao invés de ser hesitante, cauteloso, e ficar tentando descobrir o que a outra pessoa quer que você seja, para não dizer ou fazer a coisa errada?

Encontre a sua voz cultivando a imaginação e a coragem, e você vai ficar cada vez menos preocupado em se alinhar às expectativas dos outros e mais preocupado em satisfazer suas próprias expectativas de si mesmo. Vai se ver tocando com mais confiança e realizando performances mais convincentes. Acima de tudo, você se tornará cada vez mais valioso e insubstituível para sua orquestra, para seu conjunto de câmara, para sua comunidade e para a profissão musical como um todo.

Como Woody Allen disse uma vez: "Se você não está falhando de vez em quando, isso é um sinal claro de que não está tentando nada muito inovador."

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Leia a parte 1 deste post aqui.

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Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ser convidado das principais instituições de ensino de música nos EUA, ensinando músicos como tocar o seu melhor sob pressão através de aulas ao vivo, treinos e um curso on-line.

Tradução autorizada, por Helena Piccazio.

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