09/04/2015

COMO APROVEITAR AO MÁXIMO UM ENSAIO GERAL

por Dr. Noa Kageyama, publicado originalmente no blog do site The Bulletproof Musician
HOW TO MAKE THE MOST OF A DRESS REHEARSAL

Ensaio geral de Mario Brunello com a Orquestra Sinfônica
Municipal de São Paulo. Foto: Theatro Municipal
 Você já reparou quão fácil crianças muito pequenas tendem a se distrair? Um novo brinquedo, um objeto brilhante, ou um som interessante entra em sua consciência, e eles vão embora numa nova direção.

Sob pressão, nossos cérebros se comportam como pequenas crianças hiperativas.

Quando nos deparamos com uma situação estressante, o nosso cérebro fica mais ativo. Nossa atividade neural literalmente acelera, permitindo pensar mais rápido, processar mais informações e tomar decisões mais precisas em relação à nossa segurança.

Isso pode ser ótimo para a sobrevivência, mas este estado neurológico amplificado não é particularmente propício para ter sucesso numa apresentação ou audição. Por que não?


TEMPO DISTORCIDO

Bom, já que não estamos acostumados a esta velocidade de processamento cognitivo, isso pode dar uma sensação distorcida do tempo. Talvez você sinta que está arrastando mesmo que, na verdade, esteja tocando mais rápido que o normal, ou pode super-antecipar entradas e entrar uma fração de segundo antes. Você pode até mesmo resolver tentar espontaneamente um dedilhado diferente ou mudar o lugar de uma respiração (com resultados infelizes), apesar de ter trabalhado meticulosamente esses detalhes na sala de estudo.

SEU FOCO VAI PRA TODO LADO, EXCETO PRA ONDE PRECISA

Pior ainda, o seu cérebro hiperativo vai desviar preciosos recursos de atenção para quaisquer novos e diferentes estímulos que conseguir catar em torno de você. Movimento repentino na periferia; como a sensação sobre os pedais dos saltos que você está calçando é diferente dos sapatos normais; como o hall soa diferente agora que está cheio; como o pão que você comeu no café da manhã ainda está pesando indigesto no estômago; e toda sorte de outros fatores completamente irrelevantes.

Nem precisa dizer que tocar o seu melhor requer uma tremenda quantidade de concentração e foco. Na verdade, com base nas centenas de estudos que li durante a escrita da minha dissertação, estou inclinado a dizer que é o fator mais importante das performances top.

Como você resolve este problema?

TREINAMENTO PARA ALIENAR-SE

Parte da solução envolve treinar-se para estar mais alheio a estímulos externos irrelevantes, para que você possa reservar mais da capacidade de processamento do seu cérebro para detalhes que são relevantes e úteis para o seu desempenho.

Infelizmente, situações de desempenho são, por sua própria natureza, novas, diferentes e brilhantes. Tosses e espirros do público. Telefones celulares tocando. Roupas de concerto desconfortáveis ou desconhecidos. Ambientes desconhecidos. Hora do dia não usual. Os nervos, expectativas, etc. Tudo isto parece novo e diferente porque só acontece em performance, e não faz parte de nossa experiência de estudo diário e ensaios.

Como se pode aprender a estar mais alheio a detalhes irrelevantes durante uma performance?

O PODER DO HÁBITO

Uma das mais poderosas ferramentas na caixa de ferramentas da psique é um fenômeno chamado habituação. É uma outra maneira de dizer que o nosso cérebro fica entediado com coisas familiares e começa a sintonizar lá fora. Quando me mudei para Nova York para cursar a pós-graduação, eu estava vindo de uma pequena cidade universitária em Ohio, onde basicamente a única coisa que se ouvia de noite era o som dos grilos. Lembro de me sentir um pouco sobrecarregado no início, não sendo capaz de calar o barulho das 24h por dia do trânsito de Nova York, alarmes de carro, gente gritando, etc. Mas, depois de algumas semanas, eu não notava mais isso e podia dormir a noite como um bebê, não importa que tipo de loucura estivesse acontecendo do lado de fora da minha janela.

Ensaio geral da ópera La Bohème no Theatro Municipal
de São Paulo em 2014. Foto: Raquel Cunha/Folhapress
Este é um princípio psicológico bem conhecido que você pode usar em sua vantagem. Na verdade, é para isso que serve o ensaio geral - para aclimatar-se às muitas diferenças que existem entre o estudo e a performance. Infelizmente, a maioria de nós não utiliza realmente esta estratégia como foi planejada, nem tão frequentemente quanto deveria. O ensaio geral geralmente ocorre apenas uma vez por concerto, e na maioria das vezes não é muito diferente de um ensaio normal - só acontece de ser o último antes da performance, e então a gente põe a palavra "geral" nele.

Como regra geral, tenha em mente que quanto maior o número de diferenças entre a performance e o estudo, maior a probabilidade destas diferenças serem uma distração e acabarem por fazer a sua performance sofrer.

PERSONALIZE SEU TREINAMENTO PARA ALIENAR-SE

Faça uma lista de todas as possíveis diferenças que você consegue pensar entre as condições de performance e de estudo. Qualquer detalhe vale. Roupas, sapatos, hora do dia, nível de energia, nervosismo, fatores do público, etc.

Pense sobre quais realmente te tiram do eixo, e veja quantas dessas diferenças relevantes você pode começar a integrar em situações de estudo, para poder se ajustar a elas (ou “habituar-se") com antecedência. Alguns dias você pode tentar estudar com o vestido ou smoking. Outros dias você pode passar toda a peça e/ou repertório sem aquecer tanto quanto você gostaria. Toque em diferentes momentos do dia, em salas diferentes, em diferentes temperaturas, etc.

Uma vez ouvi sobre como este violinista, que era spalla de uma grande orquestra dos EUA, só estudava sua música de orquestra sentado, e sempre à direita da estante - exatamente como seria no palco onde ele tem que compartilhar a partitura com o seu companheiro. Além disso, quando aquecia para o concerto em seu camarim, ele sempre colocava a estante e cadeira para que ficassem na mesma direção geográfica que sua estante e cadeira no palco.

Achando que isso já é demais ou não, o meu ponto é que quanto mais coisas são ajustadas por nós com antecedência, menos são as distrações que iremos encontrar, e é mais provável que os nossos recursos de atenção se dediquem à música e aos elementos de nosso desempenho que realmente importam.

Em resumo: quando você está começando a contagem regressiva para uma audição ou performance, seja criativo e ache maneiras de criar cenários de estudo mais próximos à performance real, para que você possa começar a eliminar o número de distrações que pode encontrar quando a hora da verdade chegar.

“Ensaio geral” em inglês se diz “dress rehearsal”, ou ensaio vestido, termo vindo do teatro. Nesse último ensaio antes da estreia, realiza-se o espetáculo inteiro, com os atores já vestindo seus figurinos. (N. da T.)

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Dr. Noa Kageyama é um violinista que resolveu partir para a área da Psicologia da Performance e hoje integra o corpo docente da Juilliard School e New World Symphony em Miami, além de ser convidado das principais instituições de ensino de música nos EUA, ensinando músicos como tocar o seu melhor sob pressão através de aulas ao vivo, treinos e um curso on-line.

Tradução autorizada, por Helena Piccazio.

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